As tragadas culturais do LM Rude
Por Karine Bitenbender
Foto: Instagram LM Jovem Rude
Ronaldo Lemos, 29 anos, está refletido no LM Jovem Rude, como é conhecido. Ronaldo não tem endereço, tem residência fixa no mundo da arte e faz morada atemporal no caminho permanente na batalha que escolhe entrar a cada dia. Batalhas de rap são a sua especialidade, embora também saiba batalhar pelo sustento em época de pandemia, quando precisa pedalar pelas ruas de Niterói realizando entregas como Uber Eats. Quando o Jovem Rude entra em cena, chega sereno. Senta, acomoda os braços sobre a mesa e acende um cigarro. Malboro, filtro amarelo, se for dia de conversar de perto com a sociedade fraturada que lhe fechou tantas portas quanto pode contar. Músico, produtor musical e cantor de rap, foi um pulo alto de alguém que sabe o preço do café solúvel tanto quanto do recém torrado.
"O artista é aquela pessoa que não consegue ficar quieta. Tem que falar porque tem o que falar. É aquele que acaba dando voz a muita gente que é calada socialmente, porque faz parte dessa massa." Diz-me o Jovem Rude, que de rude só tem o nome e a função de "botar o dedo na ferida", quando rima a escrachada desigualdade social que o rodeia.
Para Ronaldo, o trabalho do artista na pandemia não pode deixar de ser feito, ainda que as dificuldade atuais sejam muitas. "A gente tem que falar. [...] é inadimissível se calar. Acho que, às vezes, a gente está tão ocupado com as coisas do dia a dia, é faculdade, é trabalho, é arrumar a casa, é fazer a janta [...] e então não sobra tempo pra ver, pra perceber as coisas." comentou LM sobre a nossa dificuldade para enxergar a urgência que há no ativismo social. Ele também comentou sobre o problema da falsa aparência de uma realidade única para os jovens de comunidade, sobretudo nesse período de isolamento. A grande questão, segundo Ronaldo, é que, agora, quando o isolamento é necessário para a sobrevivência, fica ainda mais gritante a desigualdade. Trata-se de uma sensação determinista, quando o filho vê os pais trabalhadores terem que sair para trabalhar em meio a pandemia, sem a opção de ficar em casa e assegurar a sua vida e a de sua família, "aí o 'menor' vê isso e tira como reflexo que essas pessoas honestas, estão só 'tomando na cara', e aí quer ser bandido [...] porque tudo o que ele vê na favela, além disso, é arma, dinheiro de drogas e consequentemente, poder."
O Jovem Rude falou dos trabalhos que ajudava a realizar antes da pandemia, com as crianças e jovens de Niterói, "tinha a ação Favela e Arte aqui no Viradouro, a gente fazia uma roda de rima toda a semana. Fora outras várias ações, na Cantareira e em Maria Paula. Fazíamos nosso rap pra mostrar as nossas ideias e também para pegar as crianças que tem talento [pra arte] e poderiam estar se desperdiçando no crime. Chamar pra fazer rap, Hip Hop, DJ, MC, Grafite e a dança, o break. [...] buscando incentivar essas crianças a fazer a sua arte, e entender a necessidade da crítica social. Isso fica para as próximas gerações, porque a roda vai girando."
Quando questionado sobre as novas medidas tomadas pelo atual Prefeito de Niterói, Rodrigo Neves, Ronaldo reconhece os benefícios das ações da prefeitura, não só para a população niteroienses, mas para o Estado. Já que contendo a propagação do Covid-19 no micro, é que se tem o resultado positivo no macro, tratando-se de uma situação de Pandemia. "Acho que o prefeito de Niterói mandou bem. Eu defendo o isolamento sim, mas defendo o isolamento consciente e assistido, porque não dá pra ficar dentro de casa passando fome. [...] E é muito difícil dialogar com o governo atual desse país. [...] Porque precisa ter apoio ao empresário e ao trabalhador."
Ronaldo acendeu outro cigarro para contar como está divulgando seu trabalho pela internet e porque ele enxerga isso positivamente, apesar de tudo. Ele afirma confiante que tem se dedicado muito aos novos lançamentos de músicas, e à produção de materiais para suas redes sociais. O suspiro no final de sua fala contou o alívio de quem vê lado bom em tudo, mesmo no caos de uma pandemia. Talvez, enquanto dava suas últimas tragadas daquele momento, o Jovem Rude ascendia o pensamento na luz de esperança que sempre há na obra de um artista. Sobre isso não lhe questionei, mas transcrevi. "Tudo o que vi e me pareceu", invocando o Pero Vaz de Caminha, o português do primeiro registro de literatura que temos (discussão de muitos, preocupação de poucos). Uma arte puxa a outra, e uma esperança também é linha que costura as máscaras dos soldados que vencerão a guerra contra os invisível Coronavírus. Ronaldo sorriu, apagou o cigarro e se despediu esperançado.
Outras informações:
https://instagram.com/lm.jovemrude.ssm?igshid=19kuckejy7wap
https://open.spotify.com/album/4xgoYOQbRXSAKJUmLZ6sjj?si=IuiFTxKvRqiFVS0VRyuz2w
Lindo trabalho, linda pessoa, lindas palavras.
ResponderExcluirLindo mesmo é quando conseguimos transparecer na escrita a beleza daquilo ou daquele, sobre o que, ou sobre quem escrevemos.
ExcluirObrigada pela visita e sejas sempre bem vindo pra acompanhar nossas publicações :)
Abraços da equipe Alô, Gragoatá!
a arte não pode parar.
ResponderExcluirSó a arte salva!
ExcluirObrigada por visitar o Alô, Gragoatá! , Cristerlan :)
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