O papel da psicologia no tratamento de pacientes com Covid

David faz parte da equipe de psicólogos do Hospital Oceânico de Niterói

Por Giovana Rodrigues

Foto: Google

Psicólogo, David Lobo é um profissional que carrega consigo longos anos de experiência. Trabalhou com seleção de pessoas, recursos humanos, em consultórios e até em hospitais. Ainda assim, nada se compara com a bagagem que 2020 lhe tem proporcionado. Hoje, em tempos de pandemia, ele faz parte da equipe de psicólogos do Hospital Oceânico - destinado ao atendimento de casos graves de covid e localizado em Piratininga, Niterói. Mas jamais imaginou que a experiência poderia ser tão positiva  para ele, e, principalmente, para os pacientes. 

  David sempre acreditou na importância da saúde mental. Em um momento como esse, isso não é diferente. “A gente sabe que o sistema imunológico depende muito do bem-estar psicológico, do bem-estar mental, e facilita na absorção dos medicamentos”. Mesmo assim, chegou a duvidar de sua utilidade em um cenário tão limitado. "Eu dependo do meu toque, do meu jeito de falar, do meu olhar. A psicologia envolve técnicas que vão além da fala". Assim, no início, foi bem difícil trabalhar com todos equipamentos necessários, mas, no final das contas, o resultado tem sido bastante positivo. 

  A equipe de psicólogos entra em contato com os familiares por meio de videochamada para que possam falar com o paciente, "que está lúcido, orientado e podendo interagir, na maioria das vezes, por via oral". Como não é possível acontecer uma visita presencial, esse suporte virtual tem sido muito importante tanto para os enfermos quanto para os parentes. "Dá um alento aos familiares e ao próprio paciente que entende o porquê de não haver visita, muitos não sabem e acreditam que os familiares se esqueceram deles". 

  O resultado desse trabalho reflete diretamente no desempenho dos infectados, que ganham outro ânimo e uma elevação na autoestima, além de proporcionar tranquilidade e felicidade aos familiares, que percebem que o paciente está sendo muito bem tratado. David revela que a própria equipe de enfermagem percebe essa diferença e sempre fala: "nossa, chegou a hora que eles mais esperam do dia", conta  deixando transparecer sua felicidade em poder participar disso. 

  O psicólogo queria muito ter a oportunidade de fazer parte desse "momento histórico". “Eu queria ir, eu sempre me candidatei. Eu já tinha me candidatado para outros hospitais nesse sentido (...) para teste de vacina (...)”. David já trabalhou em hospital por alguns anos, mas, apesar da experiência, o que ele vivencia com os infectados pelo covid é bastante diferente. “Eu já atendi muito paciente com meningite, com hanseníase em isolamento, e a gente tomava o cuidado natural do hospital. Só que o cuidado com o Covid é muito maior”. 

  A doença exige um procedimento de segurança superior, o que de certa forma é um desafio para David, já que os equipamentos e o contexto atrapalham um pouco o atendimento psicológico. Os óculos e a máscara embaçam com facilidade, dificultando a comunicação verbal e não verbal, e o uso de luvas atrapalha o manuseio do tablet, instrumento que ele utiliza para as visitas virtuais, sem falar que o suporte é feito com o infectado em um leito, num ambiente com vários outros pacientes. É um trabalho que é muito diferente de um atendimento psicológico em um ambulatório e, principalmente, em um consultório. Mas apesar das dificuldades, o psicólogo acredita que, mesmo com certas limitações, sempre é possível fazer algo que possa somar. “É uma sensação muito gratificante de você poder ajudar pelo menos um pedacinho, contribuir para essa recuperação que tem sido bastante positiva”. 

  Apesar da vida agitada no hospital, outros afazeres também ocupam seu dia a dia. David também é professor de Biologia do Estado e continua trabalhando neste período de pandemia, mas dando aulas virtuais. Além disso, também realiza atendimento psicológico online. Mas não foi só a vida profissional que sofreu alterações, a pessoal também passou por algumas mudanças, em especial, por conta do processo de segurança que precisa ser realizado. “Eu chego em casa, é todo um procedimento para esterilizar tudo”. É importante tomar os devidos cuidados em um momento como esse “em função das pessoas que você convive, que você gosta e não quer contaminar”

  Em relação ao protocolo de segurança, David dá alguns detalhes e conta que é realizado o procedimento de paramentação, desparamentação e desinfecção, que pode ser feito com uso de álcool ou a lavagem das mãos. Ainda assim, isso não acaba com as possibilidades de contaminação. Mesmo com todo o cuidado, “quando você vai trabalhar em um hospital desse nível de infecção, você pressupõe que em algum momento você possa ser infectado”, afirma de maneira sincera. 

  Além da questão do risco de contaminação, outra parte difícil do trabalho é lidar com as perdas, “é aquela coisa triste da impotência (humana) sobre a vida”. Mas, de maneira geral, o resultado do trabalho que é realizado no hospital tem dado muito certo. Segundo o psicólogo, “as equipes estão bastante integradas, e a gente consegue fazer um trabalho bastante interessante”. David afirma que reconhece que sua responsabilidade lá não é a maior. “Nesse momento, o paciente precisa muito mais do médico, da equipe de enfermagem, desse pessoal que trabalha realmente fazendo pesado”. Mesmo assim, ele demonstra acreditar muito em seu trabalho e na diferença que ele pode fazer em um contexto como esse. “Quando eu fui trabalhar com covid, eu não tinha  a menor noção do que seria (...). Hoje eu entendo que a ajuda é muito maior do que eu acreditava antes de estar lá”. “Eu acredito mesmo na psicologia hospitalar”, revela com convicção.