Os significados que a pandemia trouxe para uma de suas reféns em Portugal
Era março de 2020, quando as expectativas de inúmeras pessoas foram frustradas, e ganharam significados subjetivos e inesperados. Ana Jeni Henriques Fidalgo é portuguesa e moradora do distrito da Guarda. Há seis meses, iniciara o 12° ano, como chamam o último ano da escola em Portugal. Aos 17 anos, carregava em seu íntimo diversas expectativas, e, claro, também receios, como qualquer adolescente de sua idade. Indecisa e cheia de paixões, a jovem, inicialmente, me revelou não saber qual curso escolher. Entre suas opções, destacou Direito, Jornalismo e Enfermagem. Mas, por ora, deixaremos isso de lado. Vamos ao que mais importa: que significados 2020 teria reservado para Jeni Fidalgo?
Foi no dia 16 de março que a quarentena foi decretada e as coisas começaram a mudar para Jeni. Antes disso, conseguiu desfrutar de seis meses de aulas presenciais, o que foi muito importante para ela, já que havia mudado de escola nesse último ano. A jovem revela que tinha bastante receio de "encontrar na nova escola a mesma falta de energia, de criatividade, de atividade e de interesse" que encontrou na anterior. Tinha receio que os meus colegas fossem pessoas sem objetivos, sem opiniões, e que de uma forma ou de outra eu me viesse a deslocar do grupo novamente". Mas já adianto, caro leitor, que nada disso aconteceu. Jeni foi surpreendida com uma "energia contagiante" e pessoas incríveis.
A surpresa foi tão boa que ela lamenta não ter podido tirar mais proveito dessa experiência. "A pandemia absorveu parte das oportunidades que teria se tivesse continuado em aulas presenciais". Mas, cá entre nós, se me permitem dizer, a vida nos tira certas oportunidades para nos dar novas. Jeni demonstra reconhecer isso e afirma que o novo contexto permitiu que alunos, professores e funcionários pudessem explorar o desconhecido, "aprender a trabalhar a distância, longe das pessoas com quem nos cruzaríamos diariamente".
A experiência foi passageira como tudo na vida. Terminou no fim de maio. Apesar de ter trazido aprendizados, principalmente para a vida pessoal de Jeni, as aulas on-line também não foram nenhum conto de fadas. Ela me conta que acredita na adaptação de todos, mas não acha que isso signifique que tenham gostado. "Levantar-me da cama de propósito para ir para a frente de um computador, muitas vezes de pijama e ensonada, não era propriamente algo que desse ânimo suficiente". Para a jovem, as aulas eram como quaisquer outras. Mas faltava algo: O CONTATO! "O ser humano necessita de se inserir na sociedade para estar completo".
Diante dos pensamentos inquietantes que perturbavam seu íntimo, Jeni decidiu criar um Instagram, O diário de uma refém da pandemia. A ideia surgiu ao se ver trancada em casa, sem nada para fazer durante horas. Além disso, ela revela que sempre reclamou de não ter tempo para escrever e "desabafar com o papel o que andava retido na alma". De fato, caro leitor, quando a vida nos tira oportunidades, ela sempre nos dá novas. Não preciso nem dizer que Jeni soube aproveitá-las muito bem. Como costumamos dizer, uniu o útil ao agradável.
No Instagram e em seu blog, ela compartilha as experiências que vive na pandemia. A jovem revelou que adora expressar seus sentimentos por meio da escrita. Mas, sinceramente, nem precisava contar. Cada palavra bem escolhida, cada vírgula acertada, cada pronome bem utilizado, denunciaram não só seu amor e domínio pela língua portuguesa, como também sua sensibilidade e intimidade com as palavras.
O tempo que reservava para escrever era o momento em que se reencontrava, em que lembrava quem de fato era. "Era uma bolha que, apesar de estar associada ao covid, me afastava dele por alguns momentos".
Ao ser questionada sobre as eventuais idas às ruas nesse 'novo mundo', a estudante afirma que é tudo muito estranho. "Só o fato de ter que andar de máscara já era estranho o suficiente". No início, tudo era mais aterrorizante ainda. Além de máscaras, utilizavam luvas e muito álcool em gel. "Lembro-me perfeitamente que nos primeiros tempos as pessoas esgotaram todos os estoques de produtos higienizantes e de proteção que haviam em farmácias, super e mini mercados". A sensação era de se estar inserido em um cenário apocalíptico, em que se não via ninguém nas ruas. "Só olhava para todos os lados para ver o momento em que algum zombie ia saltar para cima de mim", brinca deixando transparecer um lado divertido e descontraído de si. "O pior é que os 'zombies' eram invisíveis e imprevisíveis", completa.
Quanto ao seu dia a dia, Jeni afirma que nunca foi uma pessoa de rotinas. "Mas assim que elas começaram a ser afetadas, senti uma certa nostalgia". As atividades pessoais não foram muito impactadas, uma vez que se resumem a atividades mais introspectivas, como escrever, dançar, ouvir música e caminhar. Porém, não poder mais frequentar a igreja ou um restaurante e visitar os avós, sem dúvidas, fez muita falta. Inclusive, Jeni perdeu um parente durante o isolamento, e não poder tê-lo visitado frequentemente a deixou muito chateada. Ele tinha 88 anos e morava em um lar de idosos. Segundo Jeni, ele morreu por "velhice", e ela não podia visitá-lo mais que uma vez por semana. Isso "fez com que se sentisse mais só". Ela aproveita para alertar sobre as centenas de idosos que morreram durante a pandemia sem ser por covid. "Acho que a solidão faz a pessoa desistir, muito mais se for idoso". "Saudade mata. Falta de amor, também", afirma sem conseguir esconder sua tristeza com a situação.
As aulas presenciais de Jeni voltaram no dia 20 de maio. A estudante afirma que as aulas regressaram em todo país, mas somente para as turmas dos últimos anos, 11° e 12°, que são os anos de exames para as universidades. Tudo foi muito bem organizado. As turmas foram separadas em dois grupos, todos de máscara e sempre usando muito álcool em gel. As aulas terminaram no dia 26 de julho. Agora, ela aproveita as férias e aguarda o resultado da sua candidatura para a universidade. Quanto ao seu futuro, ela adiantou, bastante feliz com seu desempenho nos exames, que pretende escolher o curso de Direito. Mas o fim dessa história, ou melhor, o começo ainda não sou capaz de saber! O que posso te dizer, caro leitor, é que a pandemia transformou nossas perspectivas, e parafraseando a personagem que deu vida a história de hoje, o velho normal já não existe mais.
Para saber mais sobre nossa querida refém da pandemia, acesse:
https://instagram.com/_o_diario_da_pandemia_?igshid=6em9883bxd8
Ou
https://covid-19-o-diario-de-uma-refem-da-pandemia.webnode.pt/
Uma ótima entrevista. Muito orgulho da minha amiga Jeni ❤️
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