Palestra do LACCRI/UFF reúne pessoas de dentro e fora do Brasil para conversar sobre representatividade nas animações

Por Júlia Cruz 

Foto:Instagram/@laccri_uff

Na sexta-feira, dia 13 de novembro, o Laboratório de Comunicação, Criação Digital e Inovação da Universidade Federal Fluminense (LACCRI/UFF) ofereceu a palestra Questões étnico-raciais na animação, o primeiro evento oficial do laboratório. Ministrados pelas professoras Maíra Lacerda e Lua Inocêncio, o encontro virtual de 3 horas de duração contou com as palestras de Sandro Lopes e Wagner Dornelles, além de uma conversa entre os participantes. Contando com a participação máxima de 71 pessoas, incluído de outros estados do Brasil e até de fora do país, foram debatidos temas como representatividade negra e indígena nas produções, o mercado de animações no Brasil e nos Estados Unidos e a imagem de infância que é construída nas animações.

A palestra foi pensada inicialmente como um evento da disciplina de Tópicos Especiais do Audiovisual, a qual Maíra Lacerda é a professora, e divulgada em suas outras 2 turmas. O evento começou a tomar maiores proporções quando a professora Lua Inocêncio também se interessou no tema para seus alunos. Maíra está se integrando ao LACCRI e Lua já faz parte dele, logo a palestra passou a ser o primeiro evento oficial do laboratório. A divulgação nas redes sociais fez a conversa não se limitar aos alunos da UFF, recendendo também ouvintes de Minas Gerais, Pernambuco, Santa Catarina e Portugal.

Maíra diz que o tema Questões étnico-raciais na animação veio de forma natural, com ela e os alunos percebendo a urgência de um debate como esse. Os palestrantes, Sandro Lopes e Wagner Dornelles, são estudiosos do assunto. O primeiro a apresentar foi Sandro Lopes, professor do departamento de artes da UFRRJ. Lopes falou sobre sua tese de doutorado “A necessidade de um espelho étnico-racial para a infância brasileira”, defendida no início de novembro. Para a tese, Sandro usou o recorte de 25 seriados animados passados nos 5 principais canais infantis no Brasil entre 2016 e 2017, Discovery Kids, Cartoon Network, Nickelodeon, Disney Channel e Gloob. Dos 5 canais, apenas Gloob é brasileiro, assim Lopes chega à conclusão de que a infância brasileira é uma infância com imaginário estadunidense. 

Para os seriados animados produzidos no Brasil, os dados de Sandro mostram que 80% das obras se passam no sudeste e desses 80%, 64% são situadas em São Paulo. Apesar dos números representarem apenas uma pequena parte dos brasileiros, a produção nacional de animações aumentou 110% entre 2013 e 2017. Isso é reflexo da lei 12.485/2011, que estabelece cota mínima de 3 horas e 30 minutos de programação brasileira em canais fechados no país.

 

Foto: print da palestra/Júlia Cruz

Após a fala de Sandro Lopes, foi a vez de Wagner Dornelles apresentar as conclusões de sua dissertação de mestrado “O que se cala: panorama da representação negra nas animações mainstream”. Dornelles foca na estrutura narrativa e comercial de animações populares e muito difundidas pela mídia entre a década de 1920 até a chegada do serviço de streaming Disney+, em 2019. Na parte narrativa, ele apresenta estereótipos antigos criados para personagens negros que são usados até hoje, como o homem negro que ganha vantagens dentro da estrutura racista por ser gentil com o homem branco e a mulher negra raivosa que diminui a masculinidade do homem zombando dele.

Mas Wagner passa boa parte de seu tempo refletindo sobre o mercado. Com a Disney, a maior companhia de animações do mundo, ele questiona a dinâmica comercial da empresa, que reconhece o racismo em suas obras, porém continua ganhando dinheiro com a distribuição das produções. Para defender seu pensamento, ela dá 2 exemplos. O primeiro exemplo é em relação as princesas. O primeiro filme de princesa da Disney foi A branca de neve e os 7 anões, de 1937 e somente 72 anos depois, em 2009, ocorreu a estreia de uma animação protagonizada por uma princesa negra, A princesa e o sapo. Mesmo assim, em grande parte do filme a princesa está representada na forma não humana, reduzindo sua presença.

O outro exemplo se refere ao serviço de streaming Disney+. Antes da exibição de filmes com conteúdo racista é emitido um aviso na tela de que a produto que será consumido é obra de sua época e apresenta ideias que não são aceitas hoje. Contudo, apesar de reconhecer o racismo, o filme ainda é exibido e a Disney continua ganhando dinheiro com a assinatura do Disney+. Mas não é só a Disney que foi criticada na reflexão de Wagner Dornelles, a Warner Bros também teve espaço na sua fala. Dornelles contou que a Warner pretendia lançar uma coletânea histórica com 11 filmes da empresa que foram censurados devido ao conteúdo racista, gerando uma segunda rodada de lucros pra a companhia, entretanto a ideia não foi adiante.


 Foto:p
rint da palestra/Júlia Cruz

As exposições trazidas pelos palestrantes foram muito elogiadas pelos ouvintes do evento no momento de conversa. Roberto Malfacini, estudante de jornalismo na UFF e fã de animações, diz que a palestra o ajudou a ter outro olhar sobre a representatividade. “Faz a gente repensar até animações que a gente gosta e entender que as coisas não são tão simples. A palestra me fez repensar por quais motivos aquela representatividade está sendo utilizada. Será que não tem nenhum motivo problemático ou mercadológico por traz daquilo? Será que o motivo mercadológico não torna aquela representatividade um pouco problemática, já que ela não muda a estrutura de mercado?”

Os assuntos expostos também trouxeram novos pensamentos para Maíra Lacerda. Perguntada sobre um personagem negro que marcou sua infância, a professora diz “o que me marcou mais foi a falta do que a presença do personagem”. Segundo ela, as crianças que cresceram nos anos 80 não viram nenhum personagem negro que se destacasse nas animações, sendo esse um erro geracional.

A palestra “Questões étnico-raciais na animação" irá gerar certificado para os ouvintes.


Comentários

  1. Excelente matéria, Júlia! Pauta extremamente relevante e conduzida com enorme competência! Meus parabéns!

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  2. Olá Júlia, muito interessante sua pauta, eu também estava presente nessa palestra e ela foi incrível!
    Você descreveu o evento de forma clara e objetiva! Parabéns!

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  3. Júlia, excelente matéria! Além da pauta ser bastante relevante. Não estive na palestra, mas após ler a matéria sinto até como se tivesse.

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