Estudantes e professores fazem um balanço de suas experiências no primeiro período oficial de ERE
Por Isabela Evaristo
foto: Isabela Evaristo, 2020
“‘Pra’ resumir: expectativa lá no topo, realidade totalmente diferente. Eu fiquei muito triste”, diz Juliana Gomes, aluna do sétimo período do curso de Farmácia, a respeito de sua experiência frustrante com o ensino remoto. Caminhamos para o final de 2020.1. Agora, é o momento ideal de fazer um balanço das experiências no primeiro período oficial de Ensino Remoto Especial (ERE). Quais foram as expectativas? Elas se alinharam a realidade? O seria bom manter ou melhorar para o próximo período? Convidamos estudantes e professores da UFF para responderem essas perguntas.
“Pra mim, não teve um contraste entre expectativa e realidade, porque aconteceu exatamente o que eu estava prevendo. Não sou uma entusiasta do ensino remoto e muito menos do EAD [Ensino à Distância]. E o que imaginei que ia acontecer aconteceu”, conta Ana Paula Bragaglia, professora do curso de Comunicação Social.
Ana declara que resistiu a essa modalidade de ensino de diversas formas. Uma delas foi substituir disciplinas obrigatórias por optativas que já em sua essência tem características de extraclasse. Mas, mesmo com resistência, em um momento de pandemia, ela se convence de que é ele que deve acontecer. Ela lista diversos problemas que já previa antes mesmo do ERE ser implementado.
Antes de expô-los, vale a destacar essa diferenciação entre EAD - o ensino que é todo pensado e estruturado para ser feito à distância: metodologia, avaliações, recursos de aprendizagem etc - e ERE – uma solução emergencial, de caráter temporário, na qual cursos se adaptam rapidamente para transmitir os conteúdos remotamente – sendo esse último a experiência pela qual passamos nesse período.
Mesmo havendo diferenças perceptíveis entre esses formatos de ensino na teoria, estudantes tiveram dificuldades em distingui-lo na prática. Era comum ouvir nas aulas ou ver nas redes sociais UFFianes falando sobre as dificuldades da “EAD”. O que dificultou a diferenciação?
Na prática, muitos professores conduziram suas disciplinas como EAD, sem respeitar as especificidades do ERE, especificadas na Resolução nº 160/2020 do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da Universidade Federal Fluminense (CEPEx que, como consta no Artigo 1º, norteou “a adoção do regime remoto de ensino para a substituição temporária das atividades acadêmicas presenciais de componentes curriculares teóricos, práticos e/ou teórico-práticos dos cursos de graduação presencial da UFF por atividades remotas, mediadas por tecnologias digitais de informação e comunicação, durante período de pandemia do novo Coronavírus - COVID-19”.
A resolução tranquilizou estudantes que, antes do início das aulas, estavam aflitos, sem saber o que esperar desse contexto totalmente novo e desafiador. Garantia de recursos necessários para estudantes que precisassem (recursos financeiros, internet, Chromebook, etc.); uso de 30% da carga horária total para disciplinas síncronas, ou seja, que acontecem em tempo real e os 70% restantes para atividades assíncronas; liberdade que professores teriam para conduzir a disciplina e aplicar avaliações; possibilidade da gravar aulas; impossibilidade de reprovação por baixa frequência; tempo estendido para cancelamento de disciplinas foram alguma das condições previstas pela CEPEx que trouxeram um pouco de esperança para discentes.
Estudantes que leram a resolução e participaram de lives da universidade que explicavam como seria acreditaram que, por conta do período turbulento pelo qual estamos passando, seria algo mais reduzido, mais humanizado e maleável. Sem tantas complicações. Com mais trabalhos que provas, bem como professores acessíveis e compreensivos. Agora que viveram o período remoto, relatam a frustração.
Foto: Respectivamente, Alexandre, Ana, Hozana, Juliana e Michele, 2020
Nem 30%
“Eu queria muito que fosse diferente. Eu acredito que os professores também estejam sofrendo. Mas, acho seria melhor se todo mundo seguisse mais o que estava escrito na resolução. De sete matérias que tenho, só uma seguiu certinho [a resolução aprovada pela CEPEX] e outra se aproximou bastante. Uma só dentre sete. Fiquei muito desapontada”, conta Juliana.
O professor e pesquisador do Departamento de Jornalismo, Michele Pucarelli, cumpriu à risca a resolução e percebe que o resultado foi muito positivo. Imagine o desafio de lecionar Fotojornalismo no ERE, em tempos de pandemia.
Nesse caso, o que parecia ser um desafio tornou-se uma solução. O professor colocou em prática, nas disciplinas, algo que já o animava: pensar e debater imagem, questões de curadoria da imagem e pensar o celular e os bancos de imagem como lugares novos a serem explorados. As entregas dos alunos, segundo ele, foram interessantes, “fora da caixinha” marcadas por inovação.
O que nos leva a refletir que o período poderia ter sido bem melhor, tanto para professores quanto para estudantes, se tão somente lessem e aplicassem as condições previstas na resolução.
“É preciso atentar até que ponto os professores pararam ‘pra’ ler tudo aquilo que foi informado” - alerta Michele - “‘pra’ entender a importância de se usar o tal do tempo síncrono de 30%, respeitando que tem um tempo pro estudante fazer as atividades em casa e que, dentro da casa, ele está enfrentando problemas de relacionamento, crise financeira… Isso obrigaria o professor ou a professora a mudar radicalmente o seu curso. Porque, se ele não fez isso, se simplesmente pegou o que fazia no presencial e tentou entubar no online, certamente não deu certo. Acho que agora era a hora de mudar, de experimentar uma coisa nova”.
Aprendizado
Uma questão fortemente levantada foi a qualidade do aprendizado no período de ensino remoto. Alexandre Singa, estudante do sétimo período do curso de Comunicação Social, é congolês, francófono e falante de línguas nativas congolesas. Estuda em outra língua, outra cultura, outro contexto social. Dentre tantos desafios na jornada acadêmica, este ano precisou vencer mais um: o Ensino Remoto Emergencial. “Eu tinha uma expectativa bem grande que esse semestre de ensino à distância seria muito difícil. Só que a dificuldade não foi forte. Foi uma coisa razoável e a adaptação também foi razoável”.
Ele conta que buscou formas de aprender e percebeu que a melhor era realizar as tarefas. Afirma que, sem os trabalhos, não conseguiria entender, por conta de algumas aulas serem muito expositivas, passarem do tempo e se tornarem cansativas. Considera o ensino remoto uma experiência razoável, porque, ao mesmo tempo que teve dificuldades, teve tempo para resolver algumas coisas na vida pessoal. Alexandre faz questão de não generalizar: “meu caso não é igual ao de todo mundo”.
Hozana Oliveira é estudante do terceiro período do curso de Química. Trabalha como técnica em Química, embarcada em uma plataforma petrolífera. A rotina de alternar entre mar e terra a cada 15 dias fez com que estudar Química na UFF, um curso essencialmente presencial, fosse desde sempre um grande desafio. Determinada e focada em seu desenvolvimento profissional e acadêmico, Hozana está disposta a enfrentá-lo até segurar o esperado diploma.
“De início, minha expectativa era de que eu conseguiria conciliar o meu trabalho e não dependeria da frequência para ser aprovada nas disciplinas”, ela conta. Mas, lidou com muitas barreiras nesse sentido. Com relação a materiais didáticos também: “eu tive que pesquisar material por falta de recurso ‘pra’ mim. Estando no presencial, você vai a uma biblioteca e pega um livro, tem acesso a um monitor para tirar dúvidas, tem acesso ao professor para poder falar e mostrar a ele qual a sua dúvida. Remotamente, não. Você tem que tentar se expressar por email ‘pro’ professor responder e aguardar a resposta dele, que nem sempre vem rápida, já que ele não tem só uma turma ‘pra’ dar aula e deve receber milhares de emails. Fora, outras atividades e pesquisas que eles têm que fazer”.
Hozana relata que precisou se esforçar muito mais no período remoto do que no presencial e que desenvolver habilidades de autodidatismo foi essencial para seu desenvolvimento e aprendizado nesse período, visto que a respostas dos professores, justamente por conta da grande demanda que têm, nunca era instantânea.
Também nos conta que seus professores foram empáticos e se adequaram à nova realidade a partir de demandas dos próprios alunos, destacando a importância da boa comunicação entre as partes. “A gente tem que falar” – recomenda Hozana – “tem que perder a vergonha de falar. Mandando email, falando abertamente, porque, se a gente quer aprender, a gente precisa se dedicar”.
Diferente de Hozana, que afirma ter aprendido, Juliana se sente extremamente frustrada, porque sente que não aprendeu nada. “Eu só reproduzi coisas: faça isso, atividade pra entregar semana que vem. Fiz e entreguei” – relata a aluna do curso de Farmácia – “Eu fiquei pensando: ‘gente, será que só eu que estou assim?’ Eu não senti que aprendi as coisas, sabe… Não senti: ‘meu Deus, estou me tornando farmacêutica’. Eu não senti isso. E senti que estava só reproduzindo, e fazendo, e cumprindo com prazos de atividades pra serem entregues, e fazendo, e fazendo, e fazendo...! Eu não aprendi. Isso é uma coisa muito chata do ensino remoto”.
Juliana percebeu que alguns professores até se preocupavam em perguntar como os alunos estavam. Mas, no geral, sentiu falta de empatia e distância por parte da maioria.
Pela perspectiva docente, a professora Ana Paula Bragaglia percebe que o alcance da aprendizagem e do encantamento dos assuntos de aula, em sua opinião, ficam muito mais restritos a quem já tem um interesse muito grande no assunto, quando se trata de ensino remoto. Ela diz que o ensino remoto dificulta muito “aquele trabalho do educador de cativar os alunos pra fazer os olhinhos brilharem com algum assunto novo pra eles e super relevante socialmente”.
ERE: problemas novos ou intensificação de antigos?
A respeito de participação e interação das turmas em aula, Michele não é determinista. “Eu acho que, na verdade, o que ‘ta’ acontecendo agora é apenas uma intensificação do que já acontecia antes no presencial, quando você, em sala de aula, tinha ali três, quatro, no máximo cinco pessoas realmente participando e resto se escondendo. Alguns ainda usando celular, o que ajuda a dispersar mais ainda os outros. Então, novamente: é uma questão de intensificação de problemas”.
A professora Ana Paula Bragaglia pôde observar que as pessoas que mais participavam e mais se engajavam eram as que ela já sabia que tinham esse comportamento. “Fico muito feliz por isso” – diz Ana - “mas aqueles diversos outros alunos que em aula presencial eu poderia atingir, com esforço de outras deixas comunicativas e emocionais, que é o que o ensino presencial permite, eu não consegui”.
Junto a esse problema de participação, ele menciona que, por inocência de uns e malandragem de outros, alguns estudantes pegaram uma quantidade exagerada de disciplinas: 8, 9, até 11 matérias. “Isso é inviável” – diz Michele – “isso se torna uma luta contra o tempo. Não dá pra fazer isso”.
Outro problema que presente no presencial que se intensificou no remoto o “paradoxo das avaliações”. Estudantes deveriam fazer as atividades em busca de aprendizado, mas infelizmente existe uma cultura de busca de pontuação. Muitos professores acreditam que avaliações tradicionais não deveriam mais existir, mas constatam que a falta delas afasta estudantes das aulas, pois se acostumaram a buscar pontos mais que o próprio conhecimento.
Nesse período, Ana Paula precisou até que “resgatar” alunos por WhatsApp, para não desistirem da turma, não esquecerem de entregar trabalhos e, assim, não serem reprovados.
Buscar soluções para esses desafios é responsabilidade de toda comunidade acadêmica. Como afirma Michele, “não é professores e professas de um lado e alunos e alunas de outro. É todo mundo junto, pra reinventar essa roda”.
Foto: Google, 2020.Recursos materiais, físicos e emocionais
Por fim, é preciso fazer um balanço de como os recursos materiais, físicos, emocionais e circunstâncias do dia-a-dia impactaram o ensino remoto.
Quedas luz de luz, de internet, falta de silêncio no ambiente de estudo, até tiroteios, impactos de fortes chuvas e insegurança no local de moradia foram relatados como obstáculos nesse período. Além das demandas de aula, há, também, demandas de trabalho, família, cuidados com filhos e idosos. Bem como, é claro, medo e a ansiedade por estarmos vivendo uma pandemia.
Adaptação das disciplinas para formato remoto, habilidades com uso de plataformas e recursos de apoio online foram fatores desafiadores para professores e estudantes que não tinham muita experiência com esses artifícios. A UFF disponibilizou alguns materiais de capacitação os instruindo nesse sentido.
Há incontáveis relatos de cansaço com o virtual, além de dores nas pernas, na coluna, na lombar, ardência nos olhos, por conta do tempo prolongado sentados e expostos à tela.
A motivação também foi um problema. Professores relatam que o entusiasmo de encontrar alunos presencialmente afeta do todo processo de educação. Bem como estudantes afirmam que é difícil sentir motivação o tempo todo.
A redução do semestre, na condição de ser remoto, era para ser benéfica, mas acaba gerando ansiedade. É tudo muito rápido. Ana faz uma importante observação a respeito disso e critica o fato, por exemplo, da UFF resolver o semestre em dois meses para alunos concluintes. Ela faz uma alusão aos períodos de greve, depois dos quais universidades públicas já chegaram a levar até dois para realinhar seus calendários. E questiona: porque em função de uma pandemia, que é algo muito mais grave, se fez algo tão corrido?
Apesar de ser a única possibilidade em período de pandemia, a solidão no ERE também foi mencionada com um ponto desfavorável para o aprendizado. O “calor humano” e as interações presenciais fazem muita falta.
Quando perguntada sobre anseios para o próximo período, Juliana diz: “gostaria que cumprissem com as aulas síncronas, com a porcentagem de cada uma, 30% síncrona e 70% assíncrona. Gostaria que professores fossem mais maleáveis na hora das avaliações e com os horários disponibilizados de cada formulário. Queria que a gente tivesse mais aproximação com o professor. Eu pensei que seria assim, mas não foi”.
Após esse balanço, é possível perceber falhas e acertos para projetar, assim, novas possibilidades para 2020.2, que ocorrerá no início de 2021. De qualquer forma, se pode constatar que o ensino remoto fica muito aquém do presencial. E, como enfatizou Ana, “passada a fase longa da pandemia, esse modelo não pode ser o hegemônico, porque ele deixa muito a desejar”.
Ótima reportagem! Tema revelante e muito bem escrito.
ResponderExcluirObrigada! Uma autocrítica: escolhi lead dramático e não sei se fiz corretamente. Escolhi lead dramático para o primeiro texto e fiz, mas esse... Está parecendo mais lead resumo.
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