O pano ensanguentado do futebol

Como se dá a prática de “passar pano” para grandes ídolos do futebol que cometem violências e são envoltos pela impunidade e por admiração.

Por Bruna Navarro


Foto: canstockphoto/lrgramas

De acordo com o dicionário informal, a expressão passar pano significa acobertar ou omitir algo sobre alguém. Ou seja, não dar a devida atenção a alguns acontecimentos ou situações. Historicamente o futebol foi consolidado como um ambiente masculinizado e de não pertencimento às mulheres. Para piorar, ao longo do tempo, foi se naturalizando práticas de violências das mais diversas dentro do esporte. Com isso, a violência contra as mulheres não ficou para trás. Não é preciso procurar muito para se deparar com o apoio de torcedores a jogadores de futebol que possuem um histórico de violência e crimes contra mulheres. Basta entrar nas redes sociais de tais atletas e será possível se deparar com todos os tipos de mensagens de apoio e admiração por eles. Dos mais jovens aos mais velhos, o que não falta é comentário de incentivo. Assim, vale o questionamento, até que ponto podemos considerar somente uma prática de “torcida”, admirar e incentivar esses jogadores?

Assim como o caso de Bruno Fernandes, abordado na matéria: Mãe de Eliza Samúdio critica apoio ao goleiro Bruno: “memória muito curta”, publicada aqui no Blog Alô Gragoatá!, Iago Lobo, de 21 anos, que é torcedor do Palmeiras, conta um pouco de sua perspectiva sobre o caso do jogador Dudu: “Ano passado, um jogador que pertencia ao meu time, chamado de Dudu, foi acusado de agredir sua ex-mulher. Na ocasião, ele ainda jogava pelo Palmeiras. Na época os jogos estavam suspensos devido à pandemia e aquilo teve uma grande repercussão na imprensa [...]”, disse. Para Iago, essas situações não são passíveis de “serem passadas pano”, uma vez que: “Ao meu ver, não é possível ´possível passar pano´, não é algo correto e nem deveria ser aceitável.  A partir do momento que se constata realmente o crime cometido, então, a pessoa precisa pagar por aquilo.”

Quando procurados, nenhum torcedor que declara torcida nas redes sociais a algum desses jogadores, como Jean, Dudu, Bruno e Robinho, acusados de crimes contra mulheres, quis se pronunciar. A solicitação foi feita à diversos apoiadores dos goleiros Bruno e Jean, e dos jogadores Dudu e Robinho, ex-craque da Seleção Brasileira.

Leandro Oliveira, de 21 anos, também não acredita ser possível seguir passando pano para esse tipo de situação. Torcedor do Santos, relata sua perspectiva sobre a quase contratação do Robinho pelo clube paulista: “Sendo sincero, eu já sabia que a diretoria do Santos Futebol Clube não entendia de ética, mas achei que ao menos de futebol entendessem. Me senti profundamente injustiçado como torcedor, pois, além da polêmica e da gravidade do caso, trata-se de um jogador velho e mediano que em nada ajudaria o time. Ainda assim, o clube quase contratou, unicamente por capricho, um jogador que a própria torcida rechaçou”.

Com a posição majoritariamente favorável a esses jogadores, por alguns integrantes das respectivas torcidas, Leandro afirma que discorda desses torcedores e se decepciona com a forma que muitos desses casos são tratados: “É lamentável que uma profissão seja determinante para o que pensam do indivíduo, independentemente dos seus atos. Nesse sentido, os defensores subvertem a ética esportiva e até o bom senso, distorcendo a visão que o esporte tem.”

Iago converge com esse pensamento e discorda de quem age dessa maneira, ainda se preocupa com a forma que a própria justiça lida com esses casos, refletindo acerca da efetiva imparcialidade judicial: “Confesso que, em alguns momentos eu questiono se a justiça realmente é imparcial, se a justiça realmente age da melhor maneira possível, sem de alguma forma também ´passar um pano´ para quem é um atleta, alguém que tem um destaque e comete um possível crime.”

Em muitos desses casos, percebemos a ausência de um debate amplo, seja em programas esportivos, seja em outros grandes meios de comunicação, o que talvez justifique a facilidade desses casos caírem no esquecimento. “Eu não continuei vendo os jogos do time que ele foi jogar, nas redes sociais pouco o acompanho, e da minha parte deixou de ser rotina saber dele, em função de ele ter saído do time que eu acompanho.”. Afirma Iago, sobre a situação do jogador Dudu.

Com os inúmeros casos de violência envolvendo jogadores de futebol, surge a questão sobre o futebol ser por natureza um esporte violento, ou se essas posturas violentas por parte de alguns jogadores, refletem questões externas. Para Leandro, o futebol não significa um esporte violento por si só, uma vez que: “Esportes não são símbolos de violência em países não violentos, os fatores são extracampo. [...] O envolvimento em casos de violência é sim alarmante, mas evidencia fatores muito mais estruturais do que uma natureza violenta do esporte”.

Já para Iago, o futebol possui aspectos que estão diretamente relacionados à violência e incitam esse comportamento e essa reação de violência: “Se a gente pensa sobre times rivais, que os torcedores se veem como inimigos, as brigas nos estádios e, querendo ou não, alguns comportamentos são aceitos no âmbito do futebol e que são coisas absurdas.”, explica.

Dessa maneira, os dois torcedores acreditam que a reflexão sobre essas práticas violentas por jogadores de futebol, é necessária para o esporte e para o viver em sociedade. Sobretudo para a não perpetuação de um “passar pano” em situações onde não cabem essa postura. Com isso, a discussão não se encerra tão cedo e vale a perpetuação da reflexão.

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