Vestimenta no esporte: exposição e controle de corpos femininos

Uniforme de atletas vira alvo de discussão após campeonato europeu

Por Fernanda Vicente


Seleção brasileira feminina e masculina de handebol de praia uniformizada em campeonato oficial 

Foto 1: Montagem por Fernanda Vicente 

Reprodução facebook beach handbball mundial 2014



Em julho deste ano, a equipe norueguesa de handebol feminino de praia foi multada em 1.500 euros pela Federação Europeia de Handebol após  atletas usarem short de lycra ao invés de biquíni -uniforme padrão-, em partida oficial do campeonato europeu. O caso gerou repercussão mundial e trouxe à tona um assunto pouco debatido até então: a diferença da vestimenta feminina e masculina no esporte e alta exposição e controle de corpos femininos. 


O caso repercutiu também entre as brasileiras. Em entrevista ao blog Alô, Gragoatá!, Nathalie Sena,  lateral esquerda da seleção, revelou que “na seleção Brasileira feminina de Handebol de Areia todas apoiaram a atitude da equipe norueguesa e gostaríamos sim da possibilidade de flexibilizar o uso do biquíni ou short. Porque desde sempre algumas garotas não se sentem confortáveis em jogar com o biquíni então o short seria uma forma legal para todas”.


Apesar de existir diferença de vestimenta na maioria dos esportes, a dissemelhança de vestuário entre gêneros está mais presente em esportes de praia, como o vôlei e o handebol. O biquíni, uniforme feminino em competições oficiais nas duas modalidades, divide opiniões quanto ao seu uso obrigatório. Apesar de ser querido por muitas atletas, existem aspectos que questionam seu uso. 


Em entrevista exclusiva ao blog Alô, Gragoatá!, a jogadora de vôlei, Angella Lavalle, fala sobre problemas envolvendo a menstruação feminina, “de certa forma, [o biquíni] incomoda porque a mulher tem os seus períodos. No período menstrual, mesmo a gente usando um absorvente íntimo, dependendo do fluxo, a gente tem que ficar trocando constantemente e corre o risco de ter esse vazamento e você ficar ali exposta.”, disse a atleta. O biquíni, por ser pequeno, apresenta maior facilidade de tornar absorventes externos visíveis, e de oferecer riscos ao escape da menstruação. A jogadora, porém, fala que em alguns casos é permitido o uso de shorts, em competições menores e mais flexíveis, no período menstrual.   



Foto 2: Reprodução instagram @angela.lavalle1



Além disso, a jogadora também fala sobre outra preocupação com o uso de bíquini: a maior exposição ao sol. “Eu acho que sou a atleta que mais usa essa roupa [Foto 2] por baixo do top, essa roupa completa calça e blusa, até porque eu já treino assim e treino há muitos anos. Eu comecei a usar essa roupa para prevenir envelhecimento precoce, queimadura e o próprio câncer de pele”, Angela revelou que teve a autorização de usar essa vestimenta por debaixo do biquíni em campeonatos oficiais, por conta de temperaturas baixas e através de atestado médico. 


Para Fernanda Hiraga, jogadora de vôlei e handebol da atlética de comunicação e artes da UFF, outro tópico pertinente é a reafirmação de padrões estéticos. Não é incomum ver atletas se sentirem desconfortáveis em biquínis, já que seu corpo exposto é sempre analisado. Atletas que fogem de padrões convencionais estéticos e são obrigadas a se exporem em biquínis são muito julgadas. “Muitas vezes as atletas são muito comentadas, avaliadas e criticadas de forma pejorativa em relação a sua aparência física. Um exemplo para mim foi a Rebecca do vôlei de praia [Foto 3].”, disse a uffiana. Rebecca, jogadora da seleção brasileira que participou da Olimpíada de Tóquio 2020, foi muito comentada nas redes sociais por ter um corpo esteticamente fora do padrão.  



Dupla de voleibol de praia: Ana Patricia e Rebecca Silva.

Foto 3: Twitter CBV



Entretanto, uma das maiores questões quanto à alta exposição do corpo feminino no esporte é a sexualização das mulheres. As atletas entrevistadas relatam que já sofreram assédio em jogos e treinos. “Teve mundial na Hungria, por exemplo, que estávamos aquecendo para jogar a final e 3 homens (torcedores que estavam na arquibancada) chegaram perto da grade da arena e começaram a filmar nossas pernas e bundas. Eles não disfarçavam, filmaram na cara dura. Foi horrível!”, relata Nathalie, quanto ao pouco uso de roupa. Angela complementa: "Alguns movimentos que  a gente faz na competição que podem ser fotografados podem ser vistos de outra forma por pessoas que realmente não buscam ver o esporte e sim as partes íntimas que podem ficar expostas”. 


Nas praias de Niterói, a história não é diferente. Para a jogadora de vôlei niteroiense Diana Bellas: “É muito desconfortável treinar de biquíni, principalmente onde eu treino, na praia de Icaraí. Muitas pessoas passam andando diariamente pelo calçadão, carros e ônibus na rua o dia inteiro. É impossível treinar de biquíni”. A jogadora diz que treina sempre de short e que se sentiria mais confortável se pudesse usá-lo em torneios oficiais. Além disso, a atleta relata que o uso obrigatório de biquíni já quase a atrapalhou no início de sua carreira: “inclusive, um dos motivos de não querer jogar vôlei de praia, quando mais nova, era exatamente por ter que jogar de biquíni”.


Quando questionadas sobre o motivo do uso obrigatório de biquíni, as entrevistadas responderam que não entendem essa regulamentação, visto que não atrapalha a mobilidade delas e os uniformes masculinos são diferentes. “Muitas pessoas alegam [...] que o biquíni melhora a performance, é um traje mais apropriado porque tem menos atrito com o vento, com a areia e é melhor para a transpiração [...] Mas, o masculino joga com regata e short, geralmente largos, então assim, se atrapalha a performance da mulher, em tese atrapalha a do homem, mas o homem pode escolher, tudo bem ter um pouco menos de performance com esse uniforme aqui, porque prefiro assim. Tem esse ponto né, do homem ele ter na nossa sociedade direito sobre o corpo dele, sobre dizer o que ele quer e o que ele não quer vestir, mostrar, performar”, disse a estudante da UFF, Fernanda Hiraga.



Foto 4: Montagem por Fernanda Vicente Reprodução cbv.com.br/galerias/1



Ainda sobre a diferença entre o uniforme masculino e o feminino, a atleta Diana Bellas diz que: “Isso é algo muito surreal. Dá vergonha só de pensar nessa diferença. Eu não faço a mínima ideia de como permitiram que isso acontecesse com o esporte. Nossos corpos são objetos de entretenimento para os homens!”. Em concordância, Angela levanta o questionamento: "Por que nós somos obrigadas a jogar de biquíni e eles não são obrigados a jogar de sunga, porque isso?”. O uso do biquíni não incomoda as atletas, a falta de escolha e a obrigatoriedade desse que sim.


Muitas atletas já se engajaram na causa da vestimenta feminina, a mudança do uniforme não causaria malefício e sim benefícios. A revisão da regulamentação aumentaria a confortabilidade de jogadoras em torneios oficiais e traria uma opção de escolha às mulheres que têm seus corpos expostos e controlados diariamente no esporte. Seria um grande passo no meio esportivo brasileiro e mundial. A vestimenta é um passo no caminho de atletas que buscam o fim da disparidade de gênero no meio. “Na minha opinião, nós mulheres devemos ter o poder de escolha de usar o biquíni ou o short. Seria simples! A mudança nas regras só resolveria uma pequena parte do problema. O foco principal é o desejo de nos sentir seguras, acolhidas e respeitadas em qualquer lugar do mundo, usando seja lá o que for como vestimenta.”, diz Nathalie.


Comentários

  1. Matéria muito boa, assunto extremamente necessário!!

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  2. você tocou muito bem no assunto! O que deve prevalecer é a vontade de quem realmente vive a experiência, o conforto, deveria ser respeitada a vontade de usar short, e biquíni não deveria ser uma obrigação, o esporte não é sobre a vestimenta!

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