Insegurança e assédio sexual na Universidade Federal Fluminense

Diante da violência sexual no ambiente acadêmico, alunos dividem suas vivências.


Por Isabela Barboza


Foto 1: Pessoa no centro da imagem, com mãos tocando nela e olhos espalhados pela ilustração. 

Reprodução: Helena Sbeghen/Universa



Assobios, assédios disfarçados de elogios e medo marcam a vida das mulheres na UFF no trajeto e dentro da faculdade. Devido ao machismo fortemente presente na sociedade, as discentes, funcionárias e professoras se encontram em posição de desamparo e sofrem terríveis consequências na própria pele. Em vista disso, alunos contam suas experiências de violência sexual no ambiente da instituição. 


Voltar da faculdade é motivo de medo para qualquer um nos dias de hoje. No entanto, enquanto um homem se preocupa com a violação de seus bens, para as mulheres há um risco adicional: a violação do seu corpo. Segundo a estudante de Jornalismo da UFF, Bruna Aragão, casos de assédio são recorrentes: “Um homem se aproximou. Tão perto que chegou a esbarrar na minha mochila. Nisso, uma menina que estava mais distante no ponto me chamou e o cara saiu. Ela disse pra eu ficar ali perto, pois tinha um cara que parecia estar ‘me cheirando’, basicamente fungando o meu cabelo.” 


Também na volta para a casa, em outro dia, Bruna contou: "Um homem, segurando um copo de cerveja, começou a puxar papo até o ônibus chegar. Eu, a todo momento, demonstrava desconforto com aquela conversa. Na hora em que eu me afastei e fui caminhando para o ônibus, ele passou a falar coisas como ‘você não vai embora não’, ‘deixa que eu te levo’, ‘vai mesmo fazer isso comigo?' tudo isso enquanto andava do meu lado. Todo mundo olhava e ninguém fazia nada". Foi o terceiro caso de assédio que ela sofreu só naquele mês. Ela desabafou: “É péssimo que depois de situações assim acontecerem tão constantemente você começa a atribuir a culpa a si mesma. Você começa a pensar ‘será que se eu estivesse com uma roupa diferente isso não aconteceria?’.” 


Dentro da UFF, a violência sexual ainda faz parte do cotidiano. Em um formulário do google, respondendo à pergunta “Conhece alguém que sofreu importunação sexual na UFF ou arredores?” Diogo Moraes, estudante de hotelaria, respondeu :”Sim, um aluno que abusou de calouras nesse primeiro período. Tocando em partes íntimas sem o consentimento, além da troca de beijos”. Ele não foi o único a mencionar o acontecimento. Uma discente do mesmo curso, Mariana, que preferiu não divulgar seu sobrenome, contou: “Um aluno passou a mão no corpo de outra aluna sem permissão, e tentou beijá-la à força.". 


A coordenadora do GT de mulheres do Centro Acadêmico Ivan Mota Dias de História da UFF (Caimduff), Luisa Mansur, comentou sobre essa dinâmica:”Perpassa por essa percepção errônea de que os veteranos são superiores e as calouras, inferiores. Então, esse caso é clássico. Tem realmente em todas as recepções de calouros. Sempre tem algum caso de assédio”. 


Além disso, Luisa também compartilhou outros dois casos recentes: “Uma aluna foi assediada e violentada fisicamente e psicologicamente pelo seu professor diversas vezes. Além da questão de gênero, tem a questão dele ser um professor e estar em uma posição de poder e ela numa posição vulnerável. Existe essa hierarquia. Outro caso foi de duas funcionárias terceirizadas, na moradia estudantil, que foram assediadas por alunos. Você também vê que o caso perpassa pela questão delas serem trabalhadoras precarizadas”. E acrescentou: “Infelizmente, esses casos não são contabilizados. A gente não tem acesso a estudos feitos pela universidade que falem sobre isso, porque a universidade não vai querer mostrar as opressões que acontecem dentro dela”. 


A coordenadora do Instituto de Segurança Pública - Mulheres (ISP Mulheres), Elisângela Oliveira, ressaltou: “É de extrema importância fomentar a discussão sobre todas as formas de violência contra mulher, em especial sobre a violência sexual. O debate contribui para que muitas mulheres reconheçam as agressões sofridas como uma violência e sintam-se mais encorajadas a fazer a denúncia. Parte de nossa sociedade ainda acredita que a violência sexual inclui somente o crime de estupro. Porém, apenas no ano de 2020, 992 mulheres foram vítimas de importunação sexual, por exemplo. O Dossiê Mulher 2021 também mostrou  o crescimento em percentual do número de mulheres vítimas que denunciaram as agressões. Em até 5 anos (passou de 9,5% em 2014 para 10,6% em 2020) e mais de 5 anos (passou de 3,3% para 9,3% no mesmo período). Falar sobre a violência sexual também colabora para que a sociedade compreenda que não podemos culpabilizar as vítimas e os agressores tenham consciência que estão cometendo um crime e que poderão ser punidos por seus atos”. 


O tema “violência sexual”, mesmo que seja pauta de discussões, continua como um tabu. Ainda não está difundido no senso comum o que, de fato, ele significa e isso dificulta a progressão do debate. De acordo com a OMS, esse é um termo que engloba “qualquer ato sexual ou tentativa de obter ato sexual, investidas ou comentários sexuais indesejáveis, ou tráfico ou qualquer outra forma, contra a sexualidade de uma pessoa usando coerção”. Ou seja, estão inclusos em violência sexual os crimes de assédio sexual, ato obsceno, estupro, tentiva de estupro, importunação sexual e violação sexual mediante a fraude.


Passar por essa violência pode gerar diversas consequências para mulheres, como constata Elisângela Oliveira: “Muitos estudos mostram que os efeitos da violência sexual incidem não somente sobre o corpo das mulheres como, por exemplo, a infecção por doenças sexualmente transmissíveis e a gravidez indesejada. Os efeitos psicológicos e no desenvolvimento das relações sociais (incluindo família, trabalho, estudo, e outros) podem ser percebidos a curto e longo prazo”. 


Tal fato foi corroborado pela coordenadora do curso de psicologia, Paula Land Curi: “A literatura e também a minha experiência falam de quadros que vão de ansiedade, pânico, depressão, até ideações e tentativas de suicídio. A culpa está sempre muito presente, por conta das nossas amarras patriarcais. E, vale dizer, muitas vezes as mulheres passam sozinhas pelas violências e pelas buscas por ajuda”. 


Por fim, Paula enfatiza: “O abuso sexual (estou tomando aqui como estupro, sexo sem consentimento) é uma violência complexa que fala de poder, de subjugação, não apenas de sexo. Acho importante dizer que se uma mulher passar por uma violência sexual, deve o quanto antes, mesmo antes da polícia, se dirigir a uma porta de entrada do combate à violência, normalmente as maternidades públicas. Em Niterói, o Hospital Universitário Antônio Pedro. Elas não devem tomar banho e ir para as unidades fazer anticoncepção de emergência, quimioprofilaxia para as infecções sexualmente transmissíveis, incluindo HIV. As medicações devem ser tomadas urgentemente, pois perdem eficácia como método preventivo com o passar do tempo. Depois de 72h não há mais nada que possa ser feito. Importante lembrar que uma mulher em situação de violência tem direito, caso engravide, ao aborto legal”.  


Diante disso, a coordenadora Luisa Mansur expõe as demandas do GT de mulheres: “É uma lógica estrutural da nossa sociedade a violência contra mulher. Todas as medidas paliativas não vão acabar com o problema. Mas, é muito importante, que depois de ocorrer algum caso de assédio, as vítimas não tenham que depor em frente aos agressores. É fundamental que exista uma ouvidoria ativa e acessível na UFF para receber essas denúncias de violência contra as mulheres, e que seja feita por pessoas treinadas e capacitadas para isso, para realmente a gente ter frutos e conseguir fazer justiça minimamente”.  O GT também pede o atendimento psicológico gratuito para vítimas dentro da UFF e mais iluminação nos campus, em especial no Gragoatá. Porém, após ressaltar que sempre estarão apoiando as mulheres violentadas, a solução é mais complexa: “Eu acho que a única forma da gente conseguir acabar com a situação é realmente fazendo um trabalho muito profundo de conscientização e reestruturação do pensamento misógino da sociedade”.


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