No 5º país que mais mata mulheres no mundo, órgãos estatais, como a CODIM, fazem trabalhos multidisciplinares para transformar a vida de mulheres
Por Rafaela Marques
Se você é mulher e vive no Brasil, com certeza tem uma amiga, uma vizinha, uma parente ou uma conhecida, que já sofreu algum tipo de violência, e se não conhece, já ouviu falar. Você mesma já pode ter sido uma vítima. A realidade é que, segundo o Mapa da Violência de 2015, o Brasil é o 5º país que mais mata mulheres dentre os 83 países que participaram da pesquisa. Esse dado prova como instrumentos governamentais que trabalham diretamente voltados para este público, são essenciais no Brasil. A CODIM, Coordenadoria de Políticas e Direitos das Mulheres, é um exemplo disso.
Foto 1: Logo da Coordenadoria de Políticas e Direitos das Mulheres (CODIM)
Reprodução: Facebook
Ser mulher no Brasil envolve um contexto extenso de violência. Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entre março de 2020 e dezembro de 2021, foram cerca de 2 mil casos de feminicídio e cerca de 100 mil casos de estupro e estupro de vulnerável, com vítimas do gênero feminino. Apenas em 2021, aproximadamente mil mulheres foram vítimas de feminicídio, contabilizando uma mulher assassinada a cada 7 horas.
Quando o assunto é violência doméstica, os dados são ainda mais alarmantes. De acordo com a pesquisa “Elas vivem: dados da violência contra as mulheres”, da Rede de Observatórios da Segurança, o Estado do Rio de Janeiro recebe pelo menos um registro de violência contra a mulher a cada 24 horas, somando 375 ocorrências em 2021. Além disso, o estudo indica um aumento de 18% nos casos de violência doméstica de 2020 para 2021.
A Lei Maria da Penha, sancionada em 2006, prevê cinco formas de violência doméstica e familiar, sendo elas: a violência física, a psicológica, a sexual, a patrimonial e a moral. Nem sempre o abuso acontece de forma física, o que dificulta o processo de denúncia e o rompimento do ciclo de violência que se estabelece na vida das vítimas.
A CODIM, de Niterói, foi criada em 2003 com o objetivo de acolher mulheres vítimas de violência e lhes dar um novo propósito, mas em quase 20 anos de projeto, os objetivos se expandiram. Hoje em dia, a organização conta com 5 eixos de atuação: Dados e Comunicação; Diversidade; Enfrentamento da Violência Contra a Mulher; Empreendedorismo; Saúde, Maternar e Bem-estar. Assim, é possível pensar no desenvolvimento de projetos que sejam inclusivos e relevantes para a sociedade e para todas as mulheres de Niterói.
Além de contar com os eixos, que são responsáveis por desenvolver projetos em suas áreas de atuação, a CODIM conta com alguns equipamentos que acolhem e fazem todo o acompanhamento das mulheres atendidas. O primeiro deles é o Centro Especializado de Atendimento à Mulher (CEAM), que realiza o acolhimento das vítimas e o atendimento psicológico, jurídico e social que essas mulheres precisam para romper situações de violência e reconquistar sua autonomia e autoestima. O Núcleo de Atendimento à Mulher (NUAM) é outro meio o qual facilita que mulheres em situação de vulnerabilidade possam buscar ajuda de maneira discreta, uma vez que o núcleo fica localizado no Plaza Shopping, principal shopping da cidade de Niterói. Além desses dois espaços, existe a Sala Lilás, que fica localizada no Posto Regional da Polícia Técnico Científica, e também é essencial para esse acolhimento, principalmente para mulheres e crianças vítimas de violência física e sexual que precisam fazer o exame pericial após a denúncia.
Foto 2: Fachada do Centro Especializado de Atendimento à Mulher (CEAM)
Reprodução: Arquivo Pessoal
Por esses fatores, órgãos como a CODIM impactam a realidade de muitas mulheres. Para a psicóloga Adriana Lins, que trabalha no Centro Especializado de Atendimento à Mulher (CEAM), é necessário mostrar para as mulheres que chegam no centro para atendimento, que elas foram vítimas de violência, mas ainda têm a possibilidade de romper com esse ciclo e se reerguer. “Elas chegam desesperançosas, muito machucadas emocionalmente, é como se tudo que elas acreditassem ou tudo que elas pudessem ter como ideia de vida fosse pro ralo. Tudo se desfaz naquele momento em que ela sofre violência ou que ela reconhece que vive um ciclo de violência”, descreveu.
Segundo Eliane Gonçalves, responsável pela parte administrativa da Coordenadoria, a CODIM passou por uma grande reformulação em 2021, e como resultado, percebeu-se a necessidade de aumentar a rede de proteção e apoio à essas mulheres, fornecendo também, meios para que elas possam retomar suas vidas após a violência. “A gente precisa acolher essas pessoas e ter uma porta de saída, para que essas mulheres quando elas estiverem mais fortes e mais seguras elas possam voltar para sua normalidade e buscar um emprego, voltar para sua família, ou constituir uma outra família”, disse Eliane.
Pensando nisso, a CODIM oferece também projetos como o Auxílio Social, que ajuda mulheres em situação de violência com mil por mês, durante 6 meses, podendo ser prorrogado. Além disso, o projeto “Mulher Líder” beneficia não apenas mulheres vítimas de violência, mas qualquer mulher que busque uma formação e um curso de empreendedorismo de forma gratuita. Para a advogada Cristiane Arnos, a experiência tem sido transformadora. “Tem me impactado enquanto mulher, enquanto profissional, me devolvendo a segurança e a certeza de que não importa a situação que você esteja no momento, dar o primeiro passo pode mudar toda sua realidade.”
A CODIM já realizou mais de 1500 atendimentos de janeiro de 2022 até maio, contando com novas mulheres e mulheres que já vinham sendo acompanhadas pelas profissionais dos projetos. Do ponto de vista de Yasmin Lopes, coordenadora de projetos da CODIM, é imprescindível trabalhar com dados na criação de políticas públicas, pois é a partir deles que a Coordenadoria consegue reconhecer a demanda de cada grupo e cada área da cidade, e desenvolver projetos que tenham eficácia e relevância para aquele público.
A cidade de Niterói é sede de uma rede de acolhimento e enfrentamento, pensada por mulheres e para mulheres, e é por isso que tem agregado tanto valor à região. “É importante termos cada vez mais espaços como esse e com projetos voltados à capacitação das mulheres e de escuta, sobretudo, porque ao sabermos de outras mulheres passando pelos mesmos desafios, essa troca nos ajuda na tomada de decisão para uma nova vida, uma nova realidade”, comentou Cristiane, participante do projeto “Mulher Líder”.
Já para Adriana, a necessidade vai além: “É preciso se indignar, se posicionar, não se calar. É preciso dar visibilidade para algo que acontece, porque se a gente não vê, vai ficar. A gente tem que estar o tempo todo atento àquilo que nos coloca e nos aprisiona nesse lugar de submissão e de risco”.
A presença da Coordenadoria de Políticas e Direitos das Mulheres em Niterói tem transformado a vida de milhares de mulheres. E prova, que de políticas de qualidade e projetos cuidadosos, podem surgir novas possibilidades até para quem já não via mais esperança.
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