Apresentação do espetáculo “Ancestralidade” marca o lugar da Orquestra da Grota como instituição antirracista
No mês da Consciência Negra, o concerto apresentado pela orquestra fez parte da comemoração dos 449 anos da cidade.
Por Núbia de Oliveira Iacomini
Imagine-se sentado em uma das cadeiras do Teatro Municipal de Niterói. O palco ocultado por uma tela onde está sendo exibido o vídeo de uma criança cantando um samba suave. De repente, o som dos instrumentos se torna mais forte e mais animado. A tela sobe e o palco finalmente nos é revelado: Mara Nascimento está cantando, acompanhada por uma orquestra composta majoritariamente por músicos pretos, como ela.
O espetáculo foi idealizado e produzido pela violoncelista Raquel Terra, que já foi aluna do projeto e hoje é coordenadora pedagógica do ECG (Espaço Cultural da Grota). Com um repertório montado de forma a valorizar composições escritas e interpretadas por vozes negras, tanto brasileiras como africanas, o concerto "Ancestralidade" não se resume a uma celebração do aniversário da cidade ou do dia da Consciência Negra, mas representa também um marco quanto ao posicionamento oficial do projeto como um todo em relação ao preconceito racial de agora em diante.
Foto 1: Músicos da Orquestra da Grota posam para foto na entrada do Teatro Municipal de Niterói / Reprodução: Site Cultura Niterói
Sediado na Grota do Surucucu, em São Francisco, onde teve início a história do ECG, o projeto conta hoje com outras 18 unidades localizadas em Niterói e cidades vizinhas (São Gonçalo, Itaboraí e Nova Friburgo). Apesar da maior parte dos alunos atendidos pelo projeto serem pretos ou pardos, a instituição nunca havia se declarado publicamente como antirracista até o presente momento. Segundo Katunga Vidal, aluno de uma das primeiras turmas de música da Grota e, atualmente, músico e professor da orquestra, a questão do racismo não pode mais ser considerado um assunto em segundo plano, principalmente depois das injustiças sofridas por músicos da própria Grota, como a prisão injustificada de um dos membros da orquestra. "E isso não é só agora em novembro, não. Isso é daqui pra frente", afirma. Dessa forma, o antirracismo passa a ser uma bandeira a ser defendida, uma "pauta eterna" do projeto social. E isso vai além do discurso, visto que já estão ocorrendo mudanças para incluir pessoas negras também no Conselho Superior do Espaço Cultural da Grota.
O Espaço Cultural da Grota possui uma história de mais de 27 anos que será contada, de forma resumida, em uma websérie já em produção, cujo primeiro episódio está previsto para sair no próximo mês. Fundada oficialmente em 1995, a Orquestra de Cordas da Grota começou de modo bem despretensioso. "Quando a gente começou aqui, a gente começou só pra compartilhar conhecimento. Eu era musicista, meu marido, também", conta Lenora Mendes Pinto, coordenadora geral dos projetos da associação e professora. Lenora falou também sobre a importância da música no processo de elevação da autoestima e da construção de novas perspectivas para os estudantes: depois de passarem pelo projeto, muitos tiveram vontade de continuar a estudar. "A gente teve que fazer um pré-vestibular aqui. Foi uma luta até o primeiro conseguir entrar na faculdade. Mas depois que o primeiro entrou, todo ano começou a entrar."
Além da apresentação, ocorrida no Teatro no dia 17 de novembro, o 'Ancestralidade' também teve espaço na 14a edição do Viva Zumbi, evento ocorrido no dia da Consciência Negra, no Caminho Niemeyer. E no próximo sábado, 26, a Orquestra da Grota e a Orquestra Jovem da Grota estarão se apresentando a partir das 16 horas no PoÊterÊ, evento que entegra arte, cultura e poesia em Teresópolis, RJ. Os episódios da webserie contando um pouco da história do ECG serão disponibilizados no YouTube e nas outras redes sociais da Orquestra da Grota.
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