Conexão e pertencimento: como é ser caloure em meio a pandemia?

Caloures de cursos de graduação da UFF compartilham como estão lidando com o ensino remoto inesperado e contam como desenvolveram o “orgulho de ser UFF” mesmo à distância

Por Isabela Evaristo


Foto Facebook da UFF. Acolhimento Estudantil, 2018.

Júlia tem 18 anos. Estuda teatro, gosta muito de ler, moda, estudar e fazer arte. Também curte ver filmes e séries. Mora com seus pais e sua irmã em Niterói, onde sempre viveu. Já Vinícius, 33 anos, chegou recentemente à cidade - que, por sinal, é a 11ª cidade que escolhe para viver - junto com sua esposa e seu casal de gatos. Gosta de jogar baralho, jogos de tabuleiro, curte pedalar, fazer um bom churrasco e tomar uma cerveja com sua companheira. Júlia na primeira graduação e Vinícius, graduado em Economia na Universidade Estadual de Maringá (Paraná), engata a segunda. Não se conhecem, mas têm algo em comum além do local de residência: são caloures na Universidade Federal Fluminense – UFF em tempos de pandemia. Nesses tempos tenebrosos, esse deve ser o menor dos males. Ainda assim, fica o dilema: é possível sentir pertencimento e conexão com universidade mesmo à distância?

Cultivar esses sentimentos em recém-chegades é fundamental, pois é a partir daí que nasce o orgulho de fazer parte da instituição, sensação de ser de fato UFFiane. “Essa acolhida é fundamental e #OrgulhoDeSerUFF veio em um momento muito conturbado para nossa universidade. Todos acompanharam os diversos cortes de verbas e as dificuldades que a nossa universidade teve para se manter aberta depois disso. A UFF é constantemente alvo de ataques, de forma proposital, sua imagem tentou ser vinculada a alguma espécie de "balburdia", como disse o ex-ministro (da Educação, Abraham Weintraub). Por isso é fundamental dizer que Eu Tenho Orgulho e Defendo a Universidade Federal Fluminense”, diz João Neto, atual Coordenador Geral do Diretório Central dos Estudantes da UFF (DCE).

2020 começa e a vivência no ambiente acadêmico fica cada vez mais próxima: abertura de matrículas, inscrições em disciplinas, marcação de trotes e eventos de integração. Alguns aconteceram e as organizações estudantis tiveram papel de destaque na realização. A gestão atual do DCE teve pouco de tempo de gestão em atividade presencial. Mesmo assim, estiveram presentes nos dois últimos acolhimentos estudantis. Tanto na matricula dos cotistas no Bloco A - com banca do DCE, distribuição de manual do calouro e placa de boas-vindas - como no evento 'Trote Cultural', promovido pela PROAES e diversos cursos de graduação, conta João Neto.

Vinícius de Senna, calouro de Engenharia de Petróleo e Gás, como foi esse momento: “Os Diretórios Acadêmicos de algumas engenharias, talvez com envolvimento das atléticas, organizaram um churrasco em cima do Bar do Renato (na saudosa Cantareira). Lá, eu conheci alguns dos meus futuros veteranos e colegas”. Também fala sobre como ingressar para o SPE UFF – Capítulo Estudantil de Engenharia e disciplinas afins – o manteve em contato com algumas pessoas que conheceu no churrasco e viabilizou a manutenção desses vínculos. Júlia Barbosa, caloura de Jornalismo, também compartilha sua experiência inicial na universidade: “O DACO (Diretório Acadêmico de Comunicação Social) teve uma interação bem legal durante o trote com uma atividade e apresentação antes de um dos dias de pintura (organizados por veteranes) mas os eventos da atlética acabaram sendo suspensos antes”.

O motivo da suspensão é que no dia 17 de março, por conta da pandemia do coronavírus (COVID-19), a UFF informou o adiamento das aulas em 30 dias, em atendimento às exigências da Autoridade Sanitária e contribuição para reduzir a disseminação. Planos adiados, mas ainda havia esperança. Até que no dia 18 de abril foram confrontados com a segunda frustação: a universidade informou que, em decisão foi aprovada por unanimidade em reunião do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPEx), as aulas seriam adiadas por tempo indeterminado. A esperança dá lugar a muitas incertezas. Quando e como começar?

Foram 4 meses de espera, dúvidas e ansiedade. Júlia, entretanto, conta que seria bem pior sem o contato, ainda virtual, com veteranes ou outres colegas: “eu estaria surtando bem mais se não tivesse contato com os veteranos. Desde o começo desse processo todo eles sempre estiveram dispostos a ajudar e acolher a gente da melhor forma e acho que posso dizer que fiz amizades incríveis com alguns”. A Atlética de Comunicação Social também desempenhou um importante papel no acolhimento: “e a atlética criou um grupo de integração com os calouros e fizeram um jogo pelo Instagram como se fosse uma pintura virtual”.

Sobre o contato com professores, há controversas. No curso de Comunicação, por exemplo, foi mais facilitado. Júlia conta que houve uma roda de apresentação de professores online, através da qual puderam conhecê-los, ainda que brevemente, e estabelecer alguma relação antes do início das atividades. Já Vinícius relata que não houve relação extra classe entre professores e estudantes do seu curso: “tive contato só com o Tarcísio e o Carlos, que são do departamento da Engenharia de Petróleo. Professores foram literalmente só esses. Antes, né. Agora, estou tendo contato com os professores durante as aulas”.

No dia 17 de julho, o CEPEx anunciou o retorno das atividades para os cursos de graduação, porém em modalidade virtual, para se manter em conformidade com as exigências da Organização Mundial de Saúde (OMS). O primeiro semestre de 14 de setembro até 15 de dezembro e o segundo, entre 01 de fevereiro e 10 de maio.



Foto: Google, 2020

Não há previsão de retorno presencial para 2020, porém há convicção de que é impossível substituir definitivamente atividades presenciais por remotas. Criar vínculos nesse contexto não é fácil e lidar com os desafios de estudar remotamente também não. Qualidade da internet, lugar silencioso e adequado para estudo, dispositivo para acessar as plataformas são fatores que pode afetar diretamente a qualidade do ensino. Fora algumas limitações pedagógicas e tecnológicas do corpo docente nesse contexto virtual. Todes foram surpreendidos e tiveram pouco tempo para participar de programas da capacitação e adaptar suas disciplinas.

Outro fator que impactou muitas vidas durante a pandemia foi a falta de estabilidade em seus empregos ou desestabilidade financeira, o que interfere diretamente em todas as áreas da vida e, claro, na permanência do estudante na universidade. A esposa de Vinícius, por exemplo, “conseguiu um emprego antes da pandemia, ficou parada uns quatro ou cinco meses e agora voltou” diz ele e afirma que agora está tudo bem.

Também há caso de caloures como Vinícius, que se deslocaram suas cidades, estados e até outros países para estudar e, repentinamente, precisaram lidar com essa nova realidade. “Eu compreendo a situação que gente está vivendo. Compreendo que tudo teve que parar mesmo e deve ficar parado até a gente ter certeza que todo mundo vai poder ter acesso a vacinas e a tudo mais. Eu não estou me sentindo isolado ou sozinho de alguma forma. Claro que seria muito melhor conhecer todo mundo, até os professores, ter aquele contato. O clima da universidade geralmente é muito bom e aqui, com o povo carioca maravilhoso, tenho certeza que seria até melhor ainda do o que eu já conheço tanto de experiências no Paraná quanto em Santa Catarina, que já era suficientemente bom. Mas, eu compreendo a situação”, diz ele.  Vale lembrar que Vinícius tem a companhia da família. Para quem vive sozinhe, esse período pode ser muito marcado pela solidão.

As experiências des caloures, suas dificuldades, nesse cenário são únicas e não deveriam ser subestimadas. Estudantes com experiência presencial tendem a minorizar-las e alegar que presencialmente seria bem pior. Júlia relatou um desconforto que houve em uma de suas turmas por conta disso “é muito ruim essa angústia de saber que não estamos vivendo esse primeiro contato como deveria e ainda ter gente reduzindo e subestimando a dificuldade dos outros. Foi um episódio que acabou mexendo com todo mundo e me fez refletir bastante sobre essa situação toda”. Há um ditado popular que diz “só sabe a quentura da panela a colher que mexe”. Não desafios maiores e menores e, sim, diferentes. É importante que haja respeito às subjetividades. Diante de tantos entraves, demonstrações de falta de empatia são totalmente dispensáveis.

O DCE, como representação estudantil máxima da universidade, prestou apoio nas integrações e também não esqueceu des caloures nas demandas relacionadas à permanência: “nós tentamos ao longo desse período, através de muita discussão com os centros e diretórios acadêmicos, construir uma política que não prejudicasse ainda mais a vida do calouro. Antigamente, o calouro não poderia trancar matéria, nem a matrícula no primeiro período. Caso ele fosse reprovado em mais de 4 matérias, seria jubilado. Conseguimos derrubar esse artigo do estatuto dando direitos e garantias para esses alunos. A luta precisa continuar”, diz o coordenador geral.




Foto: Vitor Pastana

E como fica o Orgulho de Ser UFF no meio desse turbilhão? Apesar de todos os pesares mencionados, através de relatos como esses, compreendemos que, muito além da estrutura, dos limites físicos da universidade, a UFF é gente. Se há conexão, diálogo e empatia, ainda que virtualmente, há terreno fértil pra germinar orgulho e pertencimento. Não por mero capricho, para sobretudo para a defesa da universidade e de um ensino público, gratuito e de qualidade. Para Júlia, apesar de não ter tido experiência presencial para comparar ou ter uma noção desse pertencimento integralmente, ver a importância da UFF, o carinho com que professores e alunos falam da universidade já fazem a diferença: “é muito bonito e não tem como não se orgulhar de ser UFF”, diz ela.

“Orgulho de Ser UFF... Nossa, com certeza. E, por incrível que pareça, sem praticamente ter tido contato com a UFF ainda”, diz Vinícius, que por estar entre as melhores do Brasil no curso de Engenharia de Petróleo e Gás. E continua: “já tinha me apaixonado pela estrutura em si da UFF, virada pra Baia (de Guanabara) e tudo mais. E, ao longo dos anos, a gente viu que a UFF é uma das universidades que mais se posiciona socialmente falando. Tanto que que foi um dos primeiros alvos do ex-ministro de educação (Abraham Weintraub) ... E ainda bem que é ex! Se esse governo tem alguma coisa diretamente contra a faculdade, então quer dizer que a faculdade está fazendo a coisa certa. Então, tenho muito orgulho sim de ser UFF”.

Prejudicadas pela distância, mas não inexistentes, as relações humanas e de pertencimento à Universidade Federal Fluminense permanecem. Deixando nos corações de UFFianes – caloures ou não – espaço para esperança. “A gente tá se mantendo conectado da forma que é possível. É bola pra frente e esperar passar essa fase que estamos todos vivendo”, diz Vinícius. E segue: “Quando tudo voltar vai ser até bem divertido. Eu que não conheço literalmente ninguém, poder conhecer e ver as pessoas, abraçar, conversar, trocar ideia da Cantareira (risos), tomar “uma” ... Vai ser uma experiência bem nova e bem gostosa”.


Comentários

  1. Achei sua matéria muito completa e com um tema importante e que vale muito a pena a discussão, particularmente gostei muito. Só senti falta de uma demarcação maior de algumas falas das fontes. E acho que talvez tenha ficado com uma escrita emocional e envolvente, não dizendo que é errado, mas só uma observação. Parabéns pela matéria e pelo trabalho investigativo.

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  2. A intenção era ser emocional mesmo, tanto que escolhi lead dramático pra dar logo essa cara. Só não sei se passei do ponto ou se uma reportagem deve ser mais impessoal. Rs. Vamos ver. Obrigada pelo feedback! :)

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