por Fernanda Nunes
Foto: Reprodução/UFFSe você já não aguenta mais ver seus colegas de classe pixelizados, com vozes robóticas e disputando os quadradinhos coloridos nas salas de reuniões virtuais, acredite, você não está sozinho. O afastamento do ambiente físico tem sido um fator desafiador para o rendimento acadêmico de muitos alunos, levando ao abandono de disciplinas e até mesmo ao afastamento da universidade.
No mês de setembro, em matéria, o portal de notícias G1 afirma que a estimativa é que haja maior evasão nas universidade públicas durante o período de pandemia. Embora os motivos pelos quais os alunos têm abandonado a graduação este ano sejam novos, a problemática da evasão é algo que já ocorre em grandes níveis há muito tempo por entre os campus universitários. Em 2018, o MEC registrou uma taxa de evasão de 15,5% nas universidades federais na região sudeste do Brasil e, se tratando de ranking nacional, nesse mesmo ano (2018), nossa universidade ficou em 6º lugar, com um índice de 22,8% de evasões. Esse número diminuiu em 2019, chegando a 17,54% e ocupando o 23º lugar no ranking.
O ex-aluno de Estatística da UFF (Niterói), Matheus Ricci, conta que teve que escolher entre o trabalho e a faculdade.
Ingresso em 2017.2, Matheus passou o primeiro período apenas estudando de segunda à quinta, em horário integral e atuando como freelancer em alguns finais de semana. Já no ano seguinte, movido pelas necessidades financeiras, o estudante precisou trabalhar mais, embora continuasse tentando seguir a graduação. Saindo alguns minutos mais cedo de seu trabalho para assistir as poucas aulas noturnas disponibilizadas em seu curso, depois de um ano de persistência em uma jornada dupla exaustiva, muito dinheiro gasto e quase o dobro de tempo em transporte público, Matheus não teve outra opção senão abandonar a UFF.
Foto Arquivo de Matheus Ricci
“Eu penso muito em voltar a estudar presencialmente, hoje em dia eu estudo pelo CEDERJ, que é a distância, porém os cursos que eu tenho vontade de fazer não tem no turno da noite, então não dá para eu voltar”, conta, “Eu acho que as universidades deveriam ter uma gama maior de cursos noturnos, mesmo que demorasse dois períodos a mais, mas eu acho que elas deveriam disponibilizar essa opção. Mesmo que não seja o curso completo, mas ter umas matérias a noite e as que não conseguirem, colocarem a distância”.
A realidade de Matheus é a mesma de 52% dos jovens universitários brasileiros que precisam dividir sua rotina entre trabalho e estudos, segundo um estudo feito pelo IPEA, e embora hoje a UFF disponibilize diversas bolsas e auxílios para os estudantes, esse não é o único problema que tem feito os jovens se afastarem dos ambientes acadêmicos. A ex-aluna da UFF, Thaís Santana, teve que sair de seu território, em Nova Iguaçu, para cursar Políticas Públicas no polo de Angra dos Reis.
Foto Arquivo de Thaís Santana
Gastando uma média de 350 reais por mês em moradia e 600 reais em alimentação, Thaís, hoje afastada da universidade, conta que chegou a dividir uma casa de apenas um cômodo e a trabalhar durante 12 horas por dia aos finais de semana para se manter na faculdade: “eu acho que o trancamento [da matrícula] foi muito mais compulsório do que do meu desejo porque, sinceramente, se eu tivesse tido um apoio, um acolhimento e toda uma assistência geral, eu não teria nem demorado tanto tempo na universidade, ela não estaria trancada agora, eu já teria concluído, já estaria em outro lugar”. Além do afastamento do ciclo familiar e das noites mal dormidas, que acarretaram muitas vezes em um baixo rendimento nos estudos, o choque cultural também foi um dos fatores que pesou em sua trajetória acadêmica.
Segundo a Pesquisa do Perfil Socioeconômico dos Estudantes das Universidades Federais, feita no ano passado (2019), mais de 70% dos estudantes nas universidade federais são de baixa renda e mais de 50% se autodeclaram negros. Um tempo atrás esses números seriam praticamente impossíveis, então essa é uma ótima notícia para o quadro educacional brasileiro, mas também levanta um questionamento de quais reflexos esses dados trazem na prática e como as universidades têm recebido esse novo perfil de alunos.
“A estrutura da universidade não está preparada para receber pretos e pobres [...] Não deveria ter só um acolhimento psicológico, mas um acolhimento como um todo, uma explicação, porque a gente chega na universidade, com a universidade achando que os alunos de hoje são os mesmo alunos de antes, que já frequentavam a universidade desde pequenos porque a família toda já se formou, só que na realidade não, nós somos os primeiros da família a entrar. Então a gente chega totalmente perdido, totalmente deslocado. Isso é uma loucura!”, desabafa a ex-aluna, pedindo por uma estrutura de ensino mais humana, racializada, diversificada e que tenha o propósito de entender de fato a realidade do aluno.
A taxa de evasão no ensino superior se manteve girando em torno de 21% nos últimos 10 anos, esses dados se tornam mais significativos se lembrarmos que eles representam pessoas, “Thaíses” e “Matheuses”, que por conta da vulnerabilidade econômica provocada pela desigualdade social, desamparo institucional e carga horária inviabilizadora, hoje não podemos ouvir suas vozes robóticas por entre os quadradinhos coloridos e pixelizados nas salas de reunião online e tampouco presencialmente entre os corredores da UFF.
Que matéria perfeita! Que a universidade se atente a essas questões pra diminuir o número de evasão que eles tanto alegam ser prejudicial a universidade.
ResponderExcluirAchei sua matéria ótima, Fernanda! Relevante e até poética, linkando o início com o fim...
ResponderExcluirNo entanto, uma das coisas que senti falta, foram dados da própria Universidade, uma descrição mais elaborada de como a instituição lida com a questão da vulnerabilidade econômica.