Por Maria Eduarda da Costa Santos
Com o fechamento das Universidades devido à pandemia de COVID-19, o projeto Afrodisséia, que acontecia na UFF, adotou o funcionamento on-line e tem exibido e projetado debates virtuais sobre obras cinematográficas produzidas por pessoas negras.
Em 06 de setembro de 2019 aconteceu o primeiro encontro do evento Afrodisséia, projeto idealizado por João Carlos e Lucas Silva, estudantes da graduação de Letras na UFF. O Cineclube Cajado Filho -nome que homenageia o primeiro diretor e roteirista negro brasileiro- surgiu, segundo João Carlos, da necessidade de ocupar o espaço da faculdade com algo que fosse, além de educativo, divertido e coordenado por alunos. O projeto Afrodisséia, como o próprio nome sugere, tem como objetivo exibir e discutir produções cinematográficas construídas por pessoas negras e homenagear suas obras ainda em vida.
Os encontros aconteciam no Instituto de Letras da UFF, no bloco C, no Gragoatá e reuniam diversas pessoas interessadas em cinema e na temática recortada pela proposta. Beatriz Schreiner, aluna de História da Arte da UFRJ e participante assídua do cineclube, relembra a atmosfera das sessões presenciais: “Era sempre um clima muito acolhedor, um pequeno cinema autogestionado no meio do caos niteroiense: João e Lucas sempre faziam pipoca e levavam refrigerantes e, às vezes, antes das sessões, ouvíamos música”. Para Pedro Ávila, estudante de Letras da UFF, ouvir o que outras pessoas tinham a dizer sobre algumas obras já conhecidas por ele foram oportunidades de refletir sobre opiniões pessoais: “Me lembro de ver até alguns filmes que eu não gosto tanto, que eu não acho filmaços, e ouvir as pessoas falando sobre o filme me fez repensar algumas coisas”.
Não é surpresa dizer que a continuidade do projeto foi interrompida temporariamente por causa da pandemia do COVID-19. Assim como as aulas presencias, as exibições do cineclube não retornaram para a universidade em 2020. João Carlos, um dos idealizadores do projeto, menciona que, depois dos laços construídos nas sessões em 2019, não era uma opção parar o Afrodisséia: “Depois da sessão de ‘Get Out’ [filme dirigido por Jordan Peele e estrelado por Daniel Kaluuya], a gente saiu para a Cantareira com uma galerinha e fomos beber e conversar mais... Eu lembro muito de sair da sessão empolgado, com a sensação de ter dado certo e a gente só não conseguia não continuar aquilo”.
Foto: Cartaz de divulgação do Cineclube. Arte: Lucas Silva.
Assim, depois de alguns meses de incerteza sobre o futuro, o modus operandi do cineclube precisou ser modificado. João e Lucas resolveram retomar o projeto na modalidade on-line em 13 junho de 2020 com a exibição de “Da 5 bloods”, dirigido por Spike Lee. A partir daí, as sessões passaram a acontecer na Netflix Party (uma extensão que permite que várias pessoas assistam a um mesmo filme disponível na plataforma de forma simultânea com um chat aberto para comentários), seguidas por encontros no Google Meet com objetivo de aprofundar as discussões.
Foto: Lucas Silva
Além dos antigos frequentadores, graças às maiores possibilidades de presença que o on-line permite, novos integrantes puderam se juntar ao grupo. É o caso de Guido Melo e Vitor Henrique Guimarães que passaram a fazer parte do cineclube depois do início da pandemia. Guido não conseguia encaixar os encontros na agenda durante o período presencial, mas hoje participa com alguma frequência dos encontros virtuais. Segundo ele, o cineclube trouxe durante a pandemia uma proximidade com o cinema: “me faz cumprir um horário pra assistir e não pausar pra mexer no celular ou algo assim, acabou ajudando com foco e também me tira do limbo de ficar olhando o catálogo no Netflix/Prime etc”.
A retomada dos encontros, de uma forma geral, foi como recuperar um pouco das trocas pessoais que foram reduzidas pela quarentena. “Dá uma sensação de que a gente está menos sozinho”, afirma Pedro. Sem dúvidas, socializar, mesmo que virtualmente, pode ser uma maneira de manter a saúde mental nesse período difícil. Vitor Henrique afirma que os encontros “têm sido momentos de serotonina na mente, momentos em que eu estou curtindo um papo e me sinto instigado pelo o que estão falando. É sempre uma parada que me desafia, e eu sinto que posso contribuir de alguma forma também”. O contato com a arte e locais culturais foi dificultado pelos riscos que envolvem a contaminação pelo novo coronavírus, nesse sentido, o projeto Afrodisséia se apresenta como uma alternativa para esse cenário. Beatriz afirma que, para ela, os encontros se tornaram necessários para ter um “momento de sociabilidade em torno da arte”.
Por mais que o contato virtual não se equipare ao presencial e os afetos estejam limitados pelas telas, dentro do cenário posto hoje, é possível vislumbrar como projetos culturais são importantes na vida cotidiana. Poder acessar outras pessoas de fora da universidade e fora de Niterói é um ganho inegável e os organizadores do evento enxergam isso como uma circustância incontornável. Lucas Silva acredita que esse seja um ponto de mudança para o cineclube no futuro. Segundo ele, existe a possibilidade, mesmo no término da pandemia, de exibições híbridas nos dois formatos em questão.
O espaço de socialização, trocas, aprendizado e afins é uma construção, na visão de Lucas, que ultrapassa as pessoas por traz do projeto. Lucas declara seu desejo sobre horizonte do projeto: “o que eu quero para o futuro do cineclube é a permanência desse espaço, eu quero que, de alguma forma, esse encontro seja tombado e passe a existir protegido pelo tempo (risos) e que a gente continue promovendo esses encontros, no sentido mais bonito e poético da palavra”.
O projeto Afrodisséia é um movimento cultural engajado politicamente e movido por aqueles que compõem o grupo espectador das obras cinematográficas e realizam trocas de ideias e percepções sobre as produções. É importante dizer que o grupo que forma o cineclube é aberto à entrada de novas pessoas e, caso você tenha interesse em fazer parte, é possível fazer contato pelo Instagram @Afrodisseia. Talvez, em breve, baste aparecer na sala Ismael Coutinho, no Bloco C do campus Gragoatá na UFF.
adorei
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