O pano colorido do futebol brasileiro

A luta de torcedores e atletas LGBTQIA + para conquistar espaço em um esporte marcado pelo preconceito

Por Gabriel Gomes


Bandeira do Orgulho  LGBTQIA + no gramado da Itaipava Arena Fonte Nova

Foto:  Felipe Oliveira/EC Bahia/Reprodução Futebol Cearense 


Ofensas contra a população LGBTQIA + ainda têm espaço na sociedade contemporânea? Pois diversos tipos de ataque ainda são comuns no âmbito do futebol brasileiro. Apesar disso, torcedores, atletas e profissionais homossexuais lutam, diariamente, através de torcidas organizadas e campeonatos voltados para comunidade, para conquistar espaço em um ambiente que, muitas vezes, os hostiliza.
De acordo com o relatório do Observatório de Mortes Violentas de LGBTQIA + no Brasil, em 2020, 237 pessoas LGBTQIA +  tiveram morte violenta no país. Paralelo a isso, o futebol brasileiro é marcado por ser um ambiente desconfortável para esse público, onde diversos cantos, comportamentos e atos por parte de torcidas, atletas e clubes afastam as pessoas da comunidade.


Cano ergue a bandeira do arco-íris em comemoração de gol do Vasco
Foto: André Durão/ Reprodução Globo esporte

Mas, o cenário parece estar mudando. No dia 28 de junho, diversos clubes brasileiros se manifestaram nas redes sociais em homenagem ao Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA +. Nesse mesmo dia, na partida diante do Brusque pela Série B, o atleta argentino Germán Cano, do Vasco da Gama, comemorou seu gol levantando a bandeira do arco-íris. Além disso, país afora, diversos torcedores fundaram movimentos e torcidas que lutam pelo direito de torcedores da comunidade.

Onã e outros dois membros da torcida LGBTricolor em jogo do Bahia, no ano de 2020.
Foto: Raphael Muller/Folhapress

É o caso de Onã Rudá Silva, que para ter um espaço na torcida do seu clube do coração, o  Esporte Clube Bahia, fundou a torcida LGBTricolor.“O que me levou a fundar[a torcida] foi o genuíno ímpeto de querer ser torcedor. Basicamente isso, querer torcer. O Bahia estava fazendo ações afirmativas bem bacanas na época, tinha feito duas ações e, eu achei que haveria um espaço pra poder a gente montar[a torcida]. Eu nunca imaginei que teria uma repercussão grande como teve na época e, até hoje, ainda tem. Mas, o que me levou mesmo[a fundar], foi um espaço para que eu, como torcedor, pudesse acessar esse espaço de forma tranquila”, disse.

O Bahia, clube de Onã, tem se destacado nos últimos anos por realizar ações afirmativas, como a venda de camisas da torcida LGBTricolor, com autorização do uso dos símbolos, na loja oficial do clube e outras ações nas redes sociais, por exemplo. “As ações que o Bahia faz não se resumem as redes sociais. Muitas delas são divulgadas nas redes porque as redes são uma vitrine dos clubes de futebol, mas o Bahia faz diversas ações que não estão só no ambiente das redes, estão pra(sic) além delas. Então, por exemplo, quando o clube faz uma cláusula contratual que pode punir os jogadores no contrato por expressões de preconceito, não é uma coisa que está só nas redes sociais, isso é uma coisa real, concreta”, afirma o torcedor.

Enquanto muitos clubes se omitem em realizar ações afirmativas, o Tricolor da Boa Terra, para Onã, atrai a comunidade: “Eu acho que o Bahia hoje atrai maior atenção do público LGBT, mesmo de quem tem, ainda, um certo receio do futebol, um distanciamento. Acho que a maior prova disso é o sucesso da camisa da torcida, que a gente nunca conseguiu dar conta de uma demanda gigante, justamente por limitações, mas, enfim, a forma que ela circulou, que as pessoas procuram, como as pessoas querem fazer parte da torcida, mesmo não sendo, necessariamente, indo no estádio, mas tendo a peça que é da torcida do clube, que tem a logo do clube e é usada com autorização do clube. Isso é uma coisa que acaba ganhando a comunidade mesmo”.

Mas, nem sempre o ambiente foi receptivo para a torcida, Onã relata que, no começo da trajetória, recebeu ameaças e ofensas, principalmente vindos da torcida do clube rival, o Esporte Clube Vitória. ”Engraçado que no começo, eu sofri muito mais ameaça, essas coisas babacas(sic), do time rival. Quando os meninos resolveram fundar a torcida do time rival, foi um momento difícil, porque ali foi pressão mesmo, mas, enfim, é o tipo de coisa que eu procuro, às vezes, diminuir a publicidade que eu dou. Porque à medida que eu me sinto intimidado, eu acho que isso cresce mais. Mesmo na torcida do Bahia, eu já ouvi gritos desagradáveis, coisas desagradáveis, mas, assim, é muito mais raro”, disse.

Por fim, Onã aborda as perspectivas para o futuro: “Do jeito que o futebol é tóxico com a Comunidade LGBT, se eu disser que a gente vai resolver essa parada da noite pro dia, em um ou dois anos, não vai não, mas estamos aí na caminhada, numa(sic) caminhada que eu acho que é muito bonita, que tem dado espaços bem bacanas.”

Renato Mello em jogo pelo Alligaystors Esporte Clube
Foto: Arquivo pessoal de Renato Mello 

Além de torcedores, existem diversos homossexuais que estão inseridos mais diretamente no meio do futebol. É o caso do carioca Renato Mello, atleta amador do Alligaystors Esporte Clube, time exclusivo para atletas  LGBTQIA +. “É maravilhoso você estar em um campeonato onde tem atletas gays participando porque a gente está levantando uma causa, você está ali brigando por igualdade, que é isso que a gente quer. É respeito e igualdade, independente de cor, raça, religião ou orientação sexual.”, relata sobre a sua participação no time.
Renato também conta que nunca sofreu nenhum tipo de preconceito no meio do futebol: ”Até hoje, eu nunca sofri nenhum tipo de preconceito no futebol. Sempre joguei no meio de heteros, tenho grupos de futebol no meio de heteros que sabem de mim e me respeitam pra caramba. Acredito que seja mais pela minha postura, então eu acabei conquistando um respeito das pessoas e acho que isso conta muito.”
Mesmo assim, Renato reconhece as dificuldades enfrentadas por atletas homossexuais no futebol e se entusiasma com o surgimento da torcida LGBTQIA + do Botafogo de Futebol e Regatas, seu clube do coração. “As dificuldades são enormes porque o preconceito realmente existe. O futebol não é um ambiente confortável para um atleta LGBT, tanto é, que existem vários atletas aí que ficam no armário por conta do preconceito. É um ambiente muito machista e é muito difícil você ser aceito no meio. Mas, a gente tá aí pra poder quebrar esse tabu aos poucos.”, completa.



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