"É ouro para o Brasil!" é a frase que os brasileiros mais gostam de ouvir da voz de Galvão Bueno nas Olimpíadas, mas o caminho até ela é repleto de percalços e dura bem mais que os curtos segundos da cobertura televisiva
Por João Pedro Sabadini
Foto: Reprodução Facebook Dalcio Machado
O dia 08 de agosto de 2021 marcou o fim de mais uma edição do maior evento esportivo do planeta: as Olimpíadas de Verão. Passado o momento-chave das competições, os(as) atletas voltam aos seus países de origem para continuarem se preparando para o próximo ciclo olímpico. Mas a corrida da preparação já se reapresenta desigual antes do recomeço dos treinos.
Uma reportagem publicada pelo Globo Esporte, no dia 5 de agosto, mostrou que dos 309 atletas do Time Brasil nessa edição olímpica, 42% não têm nenhum patrocínio, 13% fizeram vaquinha para ir aos jogos, 10% conciliam o esporte com outros empregos e 25% não estão nem inclusos no Bolsa Atleta, maior programa de auxílio financeiro do Governo Federal, que conta com diferentes categorias e valores (bolsas Atleta de base, Estudantil, Nacional, Internacional, Olímpico/Paralímpico e Pódio).
Durante os jogos, não foi raro vermos desabafos de atletas sobre as dificuldades financeiras para treinar e competir. Darlan Romani, do arremesso de peso, teve destaque ao revelar que treinou em um terreno baldio ao lado de sua casa, em Bragança Paulista, durante um período de lockdown na sua cidade. Vitória Rosa, velocista, também desabafou sobre a falta de patrocinadores e sobre o seu salário do clube que foi reduzido na pandemia. Outro caso de destaque foi o do Thiago Braz, ouro na Rio 2016 no salto com vara, que foi demitido de seu clube ano passado com o pretexto de que "não havia retorno de visibilidade que justificasse o investimento".
Em entrevistas exclusivas ao Alô, Gragoatá!, Stephanie Balduccini, da natação; Jaqueline Ferreira, do levantamento de peso; e Caroline Kumahara, do tênis de mesa, atletas olímpicas que nos representaram em Tóquio 2020, contaram sobre suas experiências pessoais e suas opiniões sobre o assunto.
As três foram unânimes ao dizer que o programa Bolsa Atleta não é suficiente para uma dedicação exclusiva ao esporte. "Comprava materiais esportivos, mas não é o suficiente pois não cobre os custos", disse Stephanie, que, com apenas 16 anos, é campeã sul-americana dos 50m livre e a atleta mais jovem da natação brasileira a disputar uma Olimpíada em mais de 40 anos, agora em Tóquio 2020.
"Para uma pessoa adulta é praticamente impossível que o bolsa atleta seja suficiente para uma dedicação exclusiva, são necessárias algumas rendas complementares, ou pelo menos uma, ainda mais considerando que o Bolsa Atleta nunca teve reajuste", completou Kumahara, que já foi vice-campeã nos Jogos Pan-Americanos e conquistou título no Pré-Olímpico, além de ter participado de três Olimpíadas.
"Quando um atleta é incentivado, você o está motivando a buscar algo grande ou maior do que é almejado. Quando o investimento é cortado, também é cortada uma parte da busca do sonho e consequentemente não haverá retorno nem visibilidade". Foto: Reprodução Instagram Stephanie Balduccini
Jaqueline, que já venceu 14 vezes o campeonato nacional e é medalhista pan-americana, além de ter participado das três últimas Olimpíadas de Verão, contou que trabalhou em outras áreas: "Antes do mundial de 2019 eu recebia somente o Bolsa Olímpica, mas não era suficiente. Então eu trabalhava dando personal de levantamento de peso, cheguei a trabalhar no time Brasil como preparadora física e dava cursos, atuava em clínicas para poder complementar a renda. Só a bolsa não custeava".
Quando perguntadas sobre incentivos financeiros de seus respectivos municípios no início de suas carreiras, garantiram que foram iniciativas importantes, mas também insuficientes: "A gente chegou a ter, por um tempo, um auxílio do Estado do Rio de Janeiro que se chamava SUDERJ, mas foi um período bem curto", disse Jaqueline. Já Caroline Kumahara recebia um auxílio financeiro da prefeitura de São Caetano do Sul e apoio de uma marca, mas a grande parte do investimento mesmo veio de seu pai. Balduccini, por sua vez, não teve nenhum auxílio local.
"No começo, eu não tinha dinheiro para nada. O treinador pagava minha passagem e eu ia treinar quando tinha dinheiro, então imagina o quanto isso prejudicou". Foto: Reprodução Site Olimpíada Todo Dia
Os desafios não param por aí. A atleta Jaqueline conta do seu passado: "Ficamos por muito anos sem Bolsa Atleta, mesmo tendo sido medalhistas, porque a nossa federação não tinha uma documentação regular. Meu treinador, vendo a situação, resolveu por conta própria pagar o contador para fazer a documentação da federação e só assim conseguimos começar a receber. Não tínhamos apoio nenhum, treinador tirava dinheiro do próprio bolso para pagar passagem dos seus atletas. No começo, eu não tinha dinheiro para nada. O treinador pagava minha passagem e eu ia treinar quando tinha dinheiro, então imagina o quanto isso prejudicou", disse.
Kumahara revela também: "Um dos meus treinadores teve que escolher entre pagar as contas e ajudar os pais ou investir na carreira. Quando ele decidiu não investir (pagar viagens, campeonatos), praticamente descartaram ele da seleção porque isso foi visto como se ele 'não quisesse tanto'. Um absurdo. E com certeza me desanima. Normalmente as pessoas não fazem ideia da dificuldade que é para conseguir um pódio olímpico, e se você não chega lá, você já não presta. Todo mundo só quer ver medalha, mas ninguém quer saber da trajetória."
"Normalmente as pessoas não fazem ideia da dificuldade que é para conseguir um pódio olímpico, e se você não chega lá, você já não presta. Todo mundo só quer ver medalha, mas ninguém quer saber da trajetória". Foto: Reprodução Instagram Caroline Kumahara
Além de auxílios financeiros, a falta de patrocinadores e a reduzida visibilidade de boa parte dos esportes também contribui para o aumento dos obstáculos: "A gente não tem a cultura do esporte, só do futebol. Com certeza influencia, porque logicamente se a gente não tem espaço na mídia (não tem transmissões de campeonatos de esportes variados, por exemplo), não interessa para o patrocinador. Mas é algo muito enraizado, estrutural.", relatou a mesa-tenista.
"Essa foi minha terceira Olimpíada, tenho o melhor resultado da modalidade numa Olimpíada e em um Mundial, mas mesmo assim a dificuldade de arrumar patrocínio é muito grande porque o esporte em si não tem muita visibilidade. As pessoas não querem colocar seu nome em um atleta que não aparece e que a modalidade não aparece muito. Desanima, porque a gente vê incompatibilidade que os atletas têm com bem menos resultados, teoricamente, que a gente tem, mas têm patrocinadores e são mais valorizados", desabafou Jaqueline Ferreira. Stephanie Balduccini complementou: "Quando um atleta é incentivado, você o está motivando a buscar algo grande ou maior do que é almejado. Quando o investimento é cortado, também é cortada uma parte da busca do sonho e consequentemente não haverá retorno nem visibilidade."
Por conta do adiamento de Tóquio 2020 para o ano de 2021, o ciclo olímpico será mais curto. Apesar de todas as disparidades, os treinamentos já começaram. As próximas Olimpíadas serão em 2024 e acontecerão em Paris, na França.
Auxílios municipais de Niterói
O blog Alô, Gragoatá! entrou em contato com a Secretaria Municipal de Esporte e Lazer de Niterói para obter informações sobre possíveis programas ou bolsas de incentivo financeiro destinadas aos atletas niteroienses, tanto olímpicos como de base, mas, até o fechamento dessa edição, não obtivemos retorno.
Pauta importantíssima. Excelente texto, João Pedro!
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