O uso da moda como símbolo de identidade e resistência na luta contra o racismo
Por Laís Reis
Foto 1: Garoto negro posando com peças de roupa jeans
Reprodução:Arquivo pessoal
“A gente é ensinado desde pequeno a estar sempre bem vestido, porque a sociedade já vai olhar estranho para gente por sermos negros”, explica o estudande de publicidade na Universidade Federal Fluminense, João Lucas Laurindo, que tem diariamente sua vida atravessada pelo preconceito racial. Não é novidade que, principalmente, para pessoas negras, o nível de vulnerabilidade social e à violência depende de sua aparência. Basta observar que no Brasil 7 a cada 10 negros já sofreram preconceito em loja, restaurante e mercado, por conta de sua cor e vestimenta. E é nesse contexto que pretos e pretas encontraram a possibilidade de utilizar a moda como arma para resistir aos estereótipos de marginalização e exaltar seus corpos, e não esconder suas origens.
Além do preconceito disfarçado que é constantemente silenciado, a maioria das ofensas sofridas pelas vítimas de discriminação racial são verbais. No ano de 2019, a cidade de Niterói ficou em quarto lugar de maior número de registros de ocorrências de racismo no Rio de Janeiro. Os relatos de quem sofre os ataques mostram que a violência dos racistas é uma prática diária e que acontece há muito tempo. “Sempre tem aquelas paradas do racismo velado, ainda mais ali para a área de Icaraí e do Plaza. O recorte social ali é bem bizarro, porque é muita galera branca que te olha estranho, é a polícia te olhando estranho”, relata João.
Em maio de 2020, o vídeo de George Floyd, um homem negro de 46 anos, sendo sufocado até a morte por um policial branco, circulava, trazendo debates nas redes. Seguiu-se uma onda de protestos nos Estados Unidos da América e no Brasil. Além dos posts e vídeos, o quadrado preto acompanhado da hashtag #BlackoutTuesday ganhou força entre os famosos, mas logo se popularizou em setores, como o da moda. Naquela época, muitas empresas fizeram a promessa de lutar contra o preconceito racial, mas não foi o que aconteceu. A julgar pelos casos diários de negros sofrendo constrangimento em estabelecimentos, anunciados nos jornais e páginas na internet. “Como pessoa preta, independente do que eu vista, sou marginalizada. Sempre tem alguma coisinha, a diferença é a intensidade de quando nos vestimos. Dentro do universo da moda é surreal, então, eu tento me vestir o mais profissional possível para não haver erros”, desabafa a estudante de artes da UFF, Daylane Marinho.
Pretos no mercado da moda
A não compreensão da pluralidade que é o ser negro é evidente na sociedade brasileira e é refletida no mundo da moda. O histórico de inferiorização e ridicularização, foram fatores que contribuíram para a baixa representatividade de pessoas pretas nessa área, que por anos foi ignorada pela indústria, alimentando um ideal de beleza. “O mercado da moda dita as tendências e o que é bonito, ele define o padrão de beleza e não somos nós pretos. Hoje o mercado está mudando vagarosamente, é como se a pressão social estivesse os obrigando a mudar e por isso eles inserem um ou outro modelo negro em seu catálogo buscando mostrar uma suposta diversidade”, expõe a modelo niteroiense, Ana Luísa.
Foto 2: Modelos negros desfilando com elementos da periferia na composição de suas roupas.
Reprodução: divulgação/Periferia em Movimento
Em sua edição 52, o São Paulo Fashion Week atingiu o maior número de negros e indígenas da hístória. Tendo 34% de donos de grifes não brancos, os desfiles focaram em exaltar a moda preta que é marginalizada pela sociedade, trazendo elementos da cultura negra. Para jovens negros, eventos como esse tem o poder de espandir suas visões sobre si e transformar a vergonha de suas origens em orgulho, dando coragem para se expressarem da maneira que quiserem através das suas roupas. “A autoestima é reforçada através da forma de se vestir, acaba sendo uma armadura também que já se anuncia por si, diz de onde eu vim e que não tenho a mínima intenção de ser sutil passando despercebido”, diz Daylane.
O poder da representatividade
“Ouvindo desde novo: Cê já é preto, num sai desse jeito, se não eles te olha torto”. Em sua música “Bença”, o rapper mineiro, Djonga, representa a realidade de muitos jovens negros que por muito tempo tiveram suas identidades reprimidas pelo medo. A representatividade também é um fator decisivo para a construção social. Desse modo, como negros podem construir sua individualidade, se a maioria das representações expostas pela grande mídia são esteriotipadas e marginalizadas. Como as novelas que, por muito tempo, só relacionavam o negro a imagem de escravo ou bandido. “Parece que não foi divulgado para nós pessoas pretas que podemos fazer muitas coisas”, lamenta Daylane.
Foto 3: Beyoncé e figurantes com roupas estampadas de pele de animais no filme “Black is king”
Reprodução: https://rollingstone.uol.com.br/
No ano de 2020, o filme “Black is King”, dirigido pela cantora e compositora Beyoncé, ficou conhecido em trazer a força, ancestralidade e autoconfiança através de um elenco formado majoritariamente de negros e figurinos carregados de história africana. A artista conta que seu intuito era mudar o significado da palavra “preto”. A obra vem acompanhada pela trilha sonora de seu álbum “The Lion King: The Gift”, lançado um ano antes da estreia do longa-metragem, conjunto que cumpriu com excelência o papel de elevar a autoestima de seu público.
Ao longo de sua carreira, a cantora tem feito história, mudando todos os pensamentos limitantes atribuidos ao ser negro. Representatividade é assistir Beyoncé e seus bailarinos de diversos tons de preto, usando roupas caras e ocupando lugares que até então eram ocupados predominantemente pela elite branca. A artista é um dos maiores símbolos de resistência preta da geração, e hoje sua trajetória serve de inspiração para muitas vidas. “A Beyoncé conseguiu trazer um pouco da questão do afrofuturismo, mostrando um futuro com pretos no poder, extravagantes, com muito luxo, muita pedraria, muito ouro, o que a gente não veria em outras telas, então quando ela trás isso ela fura demais a bolha. A Beyoncé mostrou que pretos podem chegar ao topo e devem sim ser exaltados”, contempla João.
Pessoas negras têm resistido da maneira que podem, desde que o mundo é mundo, mas a luta não pode vir somente de um lado, a mudança também precisa vir das pessoas brancas e das marcas que são comandadas por elas. Para isso é necessário racializar os fatos, e parar de dar desculpas sobre os poucos modelos negros representando grandes marcas em publicidades e parar para pensar porque a maioria das pessoas que são perseguidas em establecimentos são negras. É preciso que esse outro lado saia da inércia e para isso o povo negro continuará gritando, com a esperança que as vestimentas sirvam somente como elemento para compor tudo que há de identidade em si e não esconder. Para que o futuro não repita o passado racista como expressa Ana Luisa: “Eu quero que a juventude negra cresça com orgulho de quem são”.
Que sensacional, foi um prazer ser entrevistado pela Laís.
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