A representação de pessoas com deficiência no cinema

Apesar de terem ganhado espaço nas telonas, ainda tem uma longa estrada a percorrer para que esse grupo seja representado com respeito e de forma correta.


Por Ana Beatriz Caparroz


Foto 1: montagem feita por Ana Beatriz Caparroz

Reprodução: Arquivos da internet



Na última década, teve-se um aumento de produções cinematográficas que apresentam alguma pessoa com deficiência (PCD). No entanto, esses filmes e séries geram debates controversos entre a comunidade PCD, pela forma equivocada como são retratados, pela escolha de elenco e produção, em sua maioria sem deficiência, e principalmente pela realidade que não é mostrada. As produções Hollywoodianas se preocupam em amenizar as situações vivenciadas por PCDs, tratando de maneira romantizada um cotidiano que não é vivido pela comunidade, e também utilizam estereótipos que apenas reforçam o preconceito e a diferenciação.


Dois dos principais debates que giram em torno dos filmes com personagem PCD são: “Por que são sempre coadjuvantes?” e “Por que sempre são representados por uma pessoa sem deficiência?”.  Mairon Azevedo, aluno de Sistemas da Informação da Universidade Federal Fluminense (UFF), acredita que há uma barreira para PCDs entrarem de fato na indústria porque “parece que existe uma preferência na indústria cinematográfica de capacitar os atores com nenhum tipo de deficiência para interpretar alguém com deficiência ao invés de pegar um ator que  viveu aquilo, que com certeza seria um ator perfeito pro papel”. A aluna de jornalismo da UFF, Andrezza Gomes, complementa essa ideia ao dizer que “por conta do capacitismo, geralmente as pessoas com deficiência não costumam ter muito espaço, principalmente no meio artístico”. Assim, percebe-se que além de dificultar a entrada desse grupo no elenco, as produtoras perpetuam discursos e ideias excludentes na indústria artística. Ou seja, não exploram a representação de PCDs de forma ampla, sempre são histórias desenvolvidas em torno dos mesmos tipos de deficiências, o que não afirma a ampla representatividade da comunidade. 


Outro aspecto negativo decorrente no dia-a-dia de PCDs, que a representação falha nos cinemas não ajuda a conscientizar a população contra, é o bullying, que também leva à exclusão, em ambientes de estudo e trabalho. Muitas vezes, o bullying é disfarçado de curiosidade, ou de brincadeiras de mau gosto, que acompanham o crescimento da criança com deficiência. Um filme que retrata essa violência, ainda que de forma romantizada, é Extraordinário, em que Auggie frequenta a escola pela primeira vez e tem que aprender a lidar com os olhares de pena de pais e alunos. Carlos Albuquerque, estudante de jornalismo da UFF, passou por situação semelhante na infância, “bullying foi algo muito presente no meu cotidiano, principalmente na escola, por conta do meu olho esquerdo não ser alinhado com o meu direito” mas hoje, reflete que “apontar os dedos para deficiência ou aparência de alguém diz mais sobre o caráter da pessoa do que o meu”. Na época escolar, Mairon relembra que o bullying era frequente e, inclusive, achou que era comum ouvir piadas sobre quem ele era, mas hoje sabe que o que passou era errado e reitera: “ Eu não sei de onde surgiu essa ideia de que é legal fazer piada com deficiência  mas ainda existe muito essa cultura”.


Foto 2: Filme Para sempre Alice

Reprodução: http://alzheimer360.com/para-sempre-alice-alzheimer-filme-livro/


Apesar de alguns filmes deixarem a desejar na produção e na mensagem a ser passada, não são todos que decepcionam o público. A chegada de personagens com deficiência nas telonas é considerada um símbolo de esperança para a valorização dessa comunidade, inclusive, “se mostrarem o lado real, sem nenhuma romantização e estereótipos, acredito sim que sirvam como influência e que são capazes de mudar o pensamento pré criado sobre PCDs”, como diz Andrezza, “além de ser um método descontraído e leve, como mostrado na animação Como Treinar o Seu Dragão, onde em nenhum momento o dragão é visto como diferente ou inferior aos outros, todos tratam como se fosse apenas uma característica dele e é assim que deve ser. Em produções como Eternos, Para Sempre Alice, e até mesmo em séries, como Atypical, Stranger Things,  “ainda não chegou no ideal, mas ainda sim existe um esforço" para propiciar a normalização de pessoas PCDs, como reforçou Carlos. É visível a busca por enredos menos capacitistas e mais compatíveis com a realidade, a partir de “um filme ou série que chegue a um grande público, aos poucos as pessoas vão entender que, como o personagem, alguém que tem deficiência é alguém comum, que tem sentimentos, senão qualquer tipo de desejo. Não há necessidade de tratar diferente.”, completou.


A visibilidade que os filmes de grandes produtoras e franquias trazem para a discussão e também disseminação de informações sobre o cotidiano de uma pessoa com deficiência, é imprescindível para a conscientização do respeito a esse grupo. O recurso visual tem um caráter de reforçar mensagens, nesse sentido, ver na prática que PCDs têm necessidades diferentes e, algumas vezes, precisam de adaptações, surte maior efeito na audiência. Além de propiciar maiores debates sobre a inclusão em ambientes, como universidades, que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), não chega a 1% de matrículas. Dados como esse e a repercussão dos filmes, permitem perceber que a infraestrutura de certos espaços não é preparada para receber PCDs, sejam deficiências físicas, visual, auditiva ou intelectual. Sobre isso, Mairon relembrou um caso na UFF em que “um aluno pcd que era cadeirante e ele teve que abandonar o curso porque não conseguia assistir às aulas [...] na época foi um choque bem grande, porque é literalmente dizer que a UFF não tá preparada pra receber deficiente. Tem campus que os elevadores não funcionam. E eu to falando de deficiência física, se a gente for falar de deficiência mental é ainda mais complicado”. Essas discussões estimulam um melhor planejamento na infraestrutura dos espaços, uma vez que é possível localizar falhas, e melhores atendimentos ao público em geral, tanto em ambientes privados, como os cinemas, quanto públicos, como na UFF e nas ruas, porque  “nem toda rua é adaptada com rampas, para receber alguém com deficiência, ou às vezes tem a rampa, mas o caminho para chegar até a rampa é cheio de lama, com paralelepípedo e isso é em todo lugar, não é um lugar ou outro” , finaliza Mairon.


A representatividade de PCDs no mercado cinematográfico é algo importante, sim, mas que deve se livrar de montagens capacitistas que ainda permeiam as produções. O constante modo falho de representação somente corrobora com preconceitos e exclusão de uma comunidade tão grande, mas o cinema pode aprender com os seus erros ao buscar promover discussões muito importantes para a inclusão de PCDs, como o entendimento das reais dificuldades e necessidades desse grupo. O que se pode esperar dos cinemas hoje é que os métodos sejam aperfeiçoados para que se tenha a representatividade correta, inclusiva e sem romantização.


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