Seja por amor ou por necessidade, artistas de Niterói fazem das calçadas e dos sinais, palcos de suas expressões
Por Sofia Miranda
Foto 1: Contraste de carros e motos esperando o semáforo abrir enquanto o artista se apresenta.
Reprodução: Marcus Mesquita
“É matar um leão por dia, ‘né’? É pra matar um leão por dia e sobreviver.” O cenário movimentado e acelerado das grandes cidades, assim como no município de Niterói, invisibiliza certos movimentos artísticos que acontecem pela cidade. O fluxo intenso de pessoas e de automóveis naturaliza e silencia as demonstrações artísticas que pairam nos sinais, nas calçadas e nas praças.
Em cada demonstração, os artistas de rua improvisam com os artifícios urbanos seus próprios palcos, em que as pessoas que por ele passam, são seus públicos. Todavia, o ofício que realizam os artistas de rua está longe de ser valorizado, como nas obras cinematográficas e as peças teatrais. A profissão é estreitamente sobreposta à prática de pedinte, conforme alega o palhaço e malabarista de rua Weligton Medeiros: “Não é todos que olham com bons olhos, tem pessoas que olham eu aqui como um vagabundo, como um bandido”.
Por outro lado, as apresentações não deixam de atrair os olhares cuidadosos de pessoas empenhadas a valorizar e reconhecer os artistas urbanos. É o caso do estudante de biologia da UENF, Thiago Maciel, “Eu sempre costumo parar e observar [...] isso sempre muda a perspectiva do meu dia, eu me sinto mais presente com o todo ‘né’, porque acho que o mundo é muito barulhento e quando a gente para pra ver uma arte, a pessoa tá ali expressando o que ela é”.
Foto 2: Músico de rua se apresenta no Campo de São Bento
Reprodução: Arquivo pessoal
Além da luta pela valorização, outros empecilhos são apresentados aos artistas que não veem outra opção senão as ruas. A timidez também se torna uma questão, conforme explica o músico urbano Matheus Blanco que se viu encurralado pelo cenário de desemprego e pandemia. “É uma questão mais de necessidade, porque a necessidade ensina, ela faz a gente criar coragem. Lógico, não é assim da noite para o dia, principalmente pra mim que sou muito tímido. É um trabalho mental e psicológico, até você tomar coragem e ir ‘né’, tudo bem que tem a questão da necessidade mas aqui eu estou exposto, tá todo mundo me vendo”.
Essa quebra de empecilhos pode ser muito bem observada, assim como expõe o jovem estudante Thiago Maciel, quando acentua que a arte exposta saí do íntimo do músico para as ruas. “É tanta movimentação durante o dia e quando a pessoa tá ali expressando a sua arte, ela tá expressando o seu íntimo, ‘né’? Então eu me sinto presente com essa pessoa, porque ela tá ali expressando o seu interior”.
Foto 3: Malabarista de rua se apresentando no sinal em frente ao Plaza Shopping
Reprodução: Arquivo pessoal
Ainda assim, o palhaço e malabarista Weligton Medeiros não tira o lema e o sorriso do rosto durante suas apresentações a cada sinal vermelho. “É a minha forma de transmitir a alegria e a felicidade, fazer aquilo que eu amo, que é a arte”.
Mesmo de trás de todas as aspirações expressadas, a principal motivação continua sendo determinada pela marcante desigualdade. Há o desafio de sair das ruas, das drogas e até mesmo do trabalho informal. A rotina das ruas alegra mas também machuca, a violência e a marginalização são os principais fatores que permeiam o cotidiano dos artistas e acentuam os sacrifícios vividos. “Certo dia um rapaz passou aqui e disse ‘Sai daí, ô seu vagabundo!’ Eu fiquei muito bravo, mas fingi que não, avistei ele e ele me criticou. [...] eu não agredi ele verbalmente, só falei pra ele ‘Você queria que eu tivesse com uma arma na mão pra ta roubando alguém ‘né’?’ mas eu to aqui transmitindo uma alegria, trabalhando. Não tô roubando ninguém'', expõe o malabarista.
Apesar do pouco conquistado, hoje, ainda há um longo trajeto de respeito e assistência a ser percorrido, por esses profissionais. As dificuldades enfrentadas pelos artistas são diversas e, dado a isso, essas pessoas, assim como outros, merecem reconhecimento pelos seus trabalhos. Essa realidade será possível assim que todos enxergarem os artistas de rua como pessoas em seu ofício e não como desocupados.
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