'Ideia de adoção como bondade é herança escravagista', diz Gabi Oliveira
Por Emilly Nascimento
Crianças mais velhas, negras e com deficiência são as menos procuradas por pessoas interessadas em adotar. No estado do Rio, existem 254 crianças disponíveis para adoção, de acordo com o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Desse total, 83,1% são declaradas pardas ou pretas, sendo a maioria do sexo masculino (59,7%) e acima de oito anos de idade.
No balanço. Duas das crianças acolhidas na Casa Maria de Magdala já em fase final do processo de adoção Foto: Fabio Rossi / Fabio Rossi
Dona do canal Gabi de Pretas, a ativista Gabriela Oliveira, 30, é uma mulher negra e virou mãe recentemente. Aos 28, ela morava sozinha em Niterói e adotou duas crianças negras: Mário, de 9 anos, e Clara, de 4, que são irmãos biológicos. A comunicadora afirmou em suas redes sociais que seu filho possui uma deficiência, mas por escolher preservar a integridade dele, preferiu não dar detalhes.
Desde o início do processo de acolhimento, a ativista tem compartilhado todas as experiências da família em seu canal do Youtube. Em um de seus vídeos, ela explica que conheceu seus filhos por meio da Busca Ativa, uma ação que possibilita o encontro entre pretendentes habilitados e crianças aptas à adoção, que tiveram esgotadas todas as possibilidades de buscas nacionais e internacionais de famílias compatíveis com o seu perfil no SNA (Sistema Nacional de Adoção). E, na grande maioria, as crianças que ficam disponíveis são negras, com alguma deficiência física ou intelectual, normalmente acima de 5 anos de idade e que possuem irmãos.
Gabriela Oliveira mostra em suas redes sociais que adoção não é uma forma de fazer caridade. A ativista ressalta que, geralmente, o tempo de espera para adotar crianças negras e maiores de seis anos é menor, pois a maioria das pessoas optam por adotar bebês. Além disso, Gabriela reitera a importância da busca ativa, que pode possibilitar um lar para milhares de crianças pretas.
Foto 2: Gabriela Oliveira e filhos em um ponto turístico no Rio de Janeiro. Reprodução/Instagram
Em São Francisco, bairro da Zona Sul de Niterói, o casal Bárbara e Sávio Bittencourt também tem uma missão: garantir o direito de cada criança e adolescente de viver em família. Eles criaram o Quintal de Ana, que é um instituto de apoio ao amparo e apadrinhamento a crianças e jovens, referência nacional na luta pela adoção consciente. Atualmente, o Instituto conta com a ajuda de alguns profissionais que auxiliam pessoas interessadas a adotarem.
Bárbara e Sávio, nas pontas, com os filhos Ana Laura, Maria Fernanda, João Renato, Pedro Gabriel e Maria Rafaela. Foto: Álbum de família. Reprodução: Jornal O Globo.
Apesar das campanhas promovidas por entidades e governos sobre a necessidade de se ampliar o perfil da criança procurada, o supervisor da 1ª Vara da Infância e Juventude do Distrito Federal, Walter Gomes, diz que houve pouco avanço. “O que verificamos no dia a dia é que as famílias continuam apresentando enorme resistência [à adoção de crianças negras]. A questão da cor ainda continua sendo um obstáculo de difícil desconstrução.”
Para Gomes, é necessário um trabalho de sensibilização das famílias para que aumente o número de adoções inter-raciais. “O racismo, no nosso dia a dia, é verificado nos comportamentos, nas atitudes. No contexto da adoção, não tem como você lutar para que esse preconceito seja dissolvido, se não for por meio da afirmatividade afetiva. No universo do amor, não existe diferença, não existe cor. O amor, quando existe de verdade nas relações, acaba por erradicar tudo que é contrário à cidadania”, afirma.
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